XVIII – Domingo do tempo comum
SE RESSUSCITASTES com Cristo, buscai as coisas que são do alto, onde Cristo está sentado à direita do Pai; afeiçoai‑vos às coisas do alto, não às da terra1, exorta‑nos São Paulo na segunda Leitura da Missa. Porque os bens desta terra duram pouco e não satisfazem o coração humano, por mais abundantes que sejam.
A vida do homem sobre a terra é breve2, e a maior parte dela se passa entre dores e fadigas; tudo se dissipa como o vento e mal deixa rasto atrás de si3; quando muito, pode‑se acumular uma fortuna que bem cedo se terá de passar para as mãos de outros. A que conduzem tantos esforços e fadigas, se não se leva consigo aquilo que se obtém? Vaidade das vaidades; tudo é vaidade, recorda‑nos outra das leituras da Missa4.
Perante esse vazio e essa falta de sentido, perante o inconsistente, Deus é a rocha: Vinde, regozijemo‑nos no Senhor, aclamemos a Rocha da nossa salvação; apresentemo‑nos diante dEle com louvores, regozijemo‑nos com cânticos na sua presença…5 Deus dá sentido à vida, ao trabalho, à dor.
No entanto, o coração do homem inclina‑se facilmente a procurar as coisas daqui de baixo, tende a apegar‑se a elas como se fossem a única coisa que conta e a esquecer‑se do que realmente importa. No Evangelho da Missa6, o Senhor serve‑se de uma questão de partilha de herança que lhe propõem, para nos ensinar qual é a verdadeira realidade das coisas à luz do nosso final terreno: O campo de um homem rico tinha dado abundantes frutos; e ele começou a calcular: Que farei, pois não tenho onde armazenar a colheita? E disse […]: Demolirei os meus celeiros, fá‑los‑ei maiores […] e direi à minha alma: Ó alma, tu tens muitos bens acumulados para longos anos; descansa, come, bebe, regala‑te…
O Senhor ensina‑nos que é uma insensatez colocar o coração, feito para a eternidade, na ânsia de riqueza e de bem‑estar material, porque nem a felicidade nem a vida verdadeiramente humana se fundamentam neles: A vida de cada um não depende da abundância dos bens que possui7. O rico lavrador da parábola revela o seu ideal de vida no diálogo que entabula consigo próprio. Vemo‑lo seguro de si por ter muitos bens e por basear neles a sua estabilidade e felicidade. Viver é para ele, como para tantas pessoas, desfrutar do máximo que puder: trabalhar pouco, comer, beber, ter uma vida cômoda, dispor de reservas para longos anos. Este é o seu ideal.
E como dar segurança a uma vida construída a partir desse sentido puramente material dos dias?: Armazenarei… No entanto, tudo o que não se constrói sobre Deus está falsamente construído. A segurança que os bens materiais podem dar é frágil e além disso insuficiente, porque a nossa vida não é plena a não ser com Deus.
Podemos perguntar‑nos hoje, neste tempo de oração, onde está o nosso coração, em que se ocupa, com que se preocupa, com que se alegra, com que se entristece, sabendo que o nosso destino definitivo é o Céu, e que, se não o alcançarmos, nada de nada terá valido a pena.
II. NO DIÁLOGO que o rico lavrador sustenta consigo próprio, intervém outro personagem – Deus – que não tinha sido levado em conta, e que com as suas palavras revela que esse homem se enganara miseravelmente à hora de programar o seu modo de viver: Néscio, diz‑lhe, esta mesma noite virão pedir‑te contas da tua alma; e as coisas que juntaste, para quem serão? Tudo foi inútil. Assim é todo aquele que entesoura para si e não é rico para Deus.
A nossa passagem pela terra é um tempo para merecer; foi o próprio Senhor quem no‑lo deu. São Paulo recorda‑nos que não temos aqui morada permanente, mas vamos em busca da futura8. O Senhor virá chamar‑nos, pedir‑nos contas dos bens que nos deixou em depósito para que os administrássemos criteriosamente: a inteligência, a saúde, os bens materiais, a capacidade de amizade, a possibilidade de tornar felizes os que temos à nossa volta… O Senhor virá uma só vez, talvez quando menos o esperamos, como o ladrão na noite9, como um relâmpago no céu10, e é preciso que nos encontre bem preparados. Apegarmo‑nos às coisas daqui da terra, esquecermo‑nos de que o nosso fim é o Céu, faria com que deformássemos a perspectiva da nossa vida e vivêssemos de uma maneira néscia. Néscio é a palavra que Deus dirige a esse homem que tinha vivido somente para os bens materiais.
Temos que caminhar com os pés na terra, com aspirações e ideais humanos, sabendo prever o futuro para nós mesmos e para aqueles que dependem de nós, como um bom pai e uma boa mãe de família, mas sem esquecer que somos peregrinos, e somente “atores em cena. Ninguém se julgue rei nem rico, porque ao cair o pano todos nos veremos pobres”11. Os bens são simples meios para alcançarmos a meta que o Senhor nos marcou. Nunca devem ser o fim dos nossos dias aqui na terra.
Esta mesma noite virão pedir‑te contas da tua alma. O tempo é escasso: esta mesma noite, e talvez nós estejamos pensando em muitíssimos anos, como se a nossa passagem pela terra houvesse de durar para sempre. Os nossos dias estão numerados e contados; estamos nas mãos de Deus. Dentro de algum tempo – que nunca será tão longo como quereríamos –, encontrar‑nos‑emos cara a cara com o Senhor.
A meditação do nosso final terreno ajuda‑nos a aproveitar todas as circunstâncias desta vida para merecer e reparar pelos pecados – redimentes tempus, recuperando o tempo perdido12 –, e a desprender‑nos efetivamente daquilo que temos e utilizamos. Um dia qualquer será o nosso último dia. Hoje morreram milhares de pessoas nas circunstâncias mais diversas; nunca imaginaram que já não teriam outros dias para desagravar e para enriquecer um pouco mais de bens eternos o seu alforje. Algumas morreram com o coração posto em assuntos de pouca ou nenhuma importância em relação à sua existência definitiva para além da morte; outros tinham o olhar e o coração colocados nessas mesmas coisas humanas, mas direcionadas para Deus. Estas encontrarão o tesouro maravilhoso que nem a traça nem a ferrugem13 podem destruir.
III. NO MOMENTO DA MORTE, o estado da alma fica fixado para sempre. Depois não é possível nenhuma mudança; o destino que nos espera na eternidade é conseqüência da atitude que tenhamos tomado na nossa passagem pela terra. Quando uma árvore cai para o sul ou para o norte, lá onde cai, aí fica14. Daí as freqüentes advertências do Senhor para estarmos sempre vigilantes15, pois a morte não é o final da existência, mas o começo de uma nova vida. O cristão não pode desprezar ou depreciar a existência temporal, pois toda ela deve servir como preparação para a sua existência definitiva com Deus no Céu. Só quem se torna rico diante de Deus, quem acumula tesouros que Deus reconhece como tais é que tira proveito certo destes dias terrenos. Fora isso, o resto é viver de enganos: O homem passa como uma sombra, e é em vão que se agita; entesoura, sem saber para quem16.
Se os bens que temos e utilizamos se orientam para a glória de Deus, saberemos utilizá‑los com desprendimento e não nos queixaremos se alguma vez vêm a faltar‑nos. Quando o Senhor quer ou permite que nos falte alguma coisa, isso não nos arrebatará a alegria. Saberemos ser felizes na abundância e na escassez, porque os bens não serão nunca o objetivo supremo da vida; e saberemos repartir com os outros o muito ou o pouco que venhamos a possuir e que os outros não possuem.
A consideração da morte ensina‑nos também a aproveitar bem os dias, pois o tempo que temos pela frente não é muito longo. “Este mundo, meus filhos, escapa‑nos das mãos. Não podemos perder o tempo, que é curto […]. Compreendo muito bem aquela exclamação de São Paulo aos de Corinto: Tempus breve est!, como é breve a duração da nossa passagem pela terra! Para um cristão coerente, estas palavras ressoam no mais íntimo do seu coração como uma censura perante a falta de generosidade, e como um convite constante para que seja leal. Verdadeiramente, é curto o nosso tempo para amar, para dar, para desagravar”17. E iremos desaproveitá‑lo deixando que o coração se apegue a meia dúzia de bugigangas da terra, que nada valem?
A meditação das verdades eternas é uma ajuda eficaz para darmos à nossa vida o seu verdadeiro sentido. Peçamos a Nossa Senhora que nos faça refletir sobre essas verdades, ponderando‑as no coração como Ela o fez, de modo a termos presente o fim da nossa vida no nosso dia‑a‑dia e a não desperdiçarmos nenhuma ocasião de ser desprendidos, generosa e alegremente.
(1) Col 3, 1‑5; 9‑11; Segunda leitura da Missa do décimo oitavo domingo do TC, ciclo C; (2) Sab 2, 1; (3) Sl 89, 10; (4) Ecl 1, 2; (5) Sl 94; Salmo responsorial da Missa do décimo segundo domingo do TC, ciclo C; (6) Lc 12, 15; (7) Lc 12, 15; (8) Hebr 13, 14; (9) Mt 25, 43; (10) Mt 24, 27; (11) São João Crisóstomo, Homilia sobre Lázaro, 2, 3; (12) Ef 5, 16; (13) Mt 6, 20; (14) Ecl 11, 3; (15) cfr. Mt 24, 42‑44; Mc 13, 32‑37; (16) Sl 39, 7; (17) Folha informativa sobre o processo de beatificação do Servo de Deus Josemaría Escrivá de Balaguer, Fundador do Opus Dei, n. 1, pág. 4.
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