XV Domingo do Tempo Comum
Amara o próximo como a ti mesmo. O doutor da lei respondeu de forma correta. Jesus confirma: Respondeste bem; faze isso e viverás. É o que narra o Evangelho da Missa de hoje1.
O preceito já existia na lei judaica, que até o especificava com detalhes concretos e práticos. Por exemplo, lemos no Levítico: Quando ceifares as messes do teu campo, não cortarás até o chão o que nasceu na superfície da terra, nem apanharás as espigas deixadas. E na tua vinha não colherás os bagos que caem, mas deixarás que os apanhem os pobres e forasteiros2. E, depois de pormenorizar outras manifestações de misericórdia, o Livro Sagrado diz: Não procurarás a vingança, nem conservarás a lembrança da injúria dos teus concidadãos. Amarás o teu próximo como a ti mesmo3.
É uma longínqua antecipação do que será o mandamento do Senhor. Mas existia uma incerteza quanto ao termo “próximo”. Não se sabia com certeza se se referia aos do próprio clã familiar, aos amigos, aos que pertenciam ao povo de Deus… Havia diversas respostas. Por isso, o doutor da lei pergunta ao Senhor: E quem é o meu próximo?, com quem devo ter essas mostras de amor e misericórdia?
Jesus responderá com uma belíssima parábola, relatada por São Lucas: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de uns ladrões que, depois de o terem despojado, cobriram‑no de feridas e retiraram‑se, deixando‑o meio morto4. Este é o meu próximo: um homem, um homem qualquer, alguém que necessita de mim. O Senhor não introduz nenhuma especificação de raça, amizade ou parentesco. O nosso próximo é qualquer pessoa que esteja perto de nós e necessite de ajuda. Nada se diz do seu país, nem da sua cultura, nem da sua condição social: homo quidam, um homem qualquer.
No caminho da nossa vida, encontraremos pessoas feridas, despojadas de tudo e meio mortas, da alma e do corpo. A preocupação por ajudar os outros, se estamos unidos ao Senhor, tirar‑nos‑á do nosso caminho rotineiro, de todo o egoísmo, e dilatará o nosso coração preservando‑nos da mesquinhez. Encontraremos pessoas cobertas de dor pela falta de compreensão e de carinho, ou carecidas dos meios materiais mais indispensáveis; feridas por terem sofrido humilhações que vão contra a dignidade humana; despojadas, talvez, dos direitos mais fundamentais: situações de miséria que bradam aos céus. O cristão nunca pode passar ao largo, como fizeram alguns personagens da parábola.
Também encontraremos diariamente esse homem que foi deixado meio morto porque não lhe ensinaram as verdades mais elementares da fé, ou porque lhas arrancaram mediante o mau exemplo ou através dos grandes meios modernos de comunicação postos a serviço do mal. Não podemos esquecer em momento algum que o bem supremo do homem é a fé, superior a todos os bens materiais e humanos. “Haverá ocasiões em que, antes de pregar a fé, será necessário aproximar‑se do ferido que está à beira do caminho, para curar‑lhe as feridas. Certamente. Mas sem nunca excluir a preocupação cristã de comunicar a fé, de educar nela e de propagar o sentido cristão da vida”5.
II. E A PARÁBOLA CONTINUA: Aconteceu que passava pelo mesmo caminho um sacerdote, o qual, quando o viu, passou ao largo. Igualmente um levita, chegando perto daquele lugar e vendo‑o, passou adiante.
O Senhor fala‑nos aqui dos pecados de omissão. Os que passaram ao largo não causaram nenhum novo dano ao homem ferido e abandonado, como acabar de despojá‑lo do que lhe restava, insultá‑lo, etc. Tinham as suas preocupações – talvez coisas importantes – e não quiseram complicações. Deram mais importância aos seus assuntos do que ao homem necessitado. O pecado que cometeram foi esse: passaram ao largo.
No entanto, aquele serviço que não prestaram teria merecido do Senhor estas palavras: Uma boa obra foi a que fez comigo6, porque tudo o que fazemos pelos outros, fazemo‑lo por Deus. Cristo esperava‑nos nessa pessoa necessitada. Ele estava ali. São João Crisóstomo põe nos lábios divinos estas palavras comoventes:
“Não te digo: arruma‑me a vida e tira‑me da miséria, entrega‑me os teus bens […]. Só te imploro pão e roupa, e um pouco de alívio para a minha fome. Estou preso. Não te peço que me livres. Somente quero que, pelo teu próprio bem, me visites. Com isso ficarei satisfeito e por isso te presentearei com o Céu. Eu te livrei de uma prisão mil vezes mais dura. Mas contento‑me com que venhas ver‑me de vez em quando.
“Poderia, é verdade, dar‑te a tua coroa sem nada disso, mas quero estar‑te agradecido e que venhas depois receber o teu prêmio confiadamente. Por isso, Eu, que posso alimentar‑me por mim mesmo, prefiro dar voltas ao teu redor, pedindo, e estender a minha mão à tua porta. O meu amor chegou a tanto, que quero que tu me alimentes. Por isso, prefiro, como amigo, a tua mesa; disso me glorio e te mostro ao mundo como meu benfeitor”7.
Este é o segredo para nos situarmos por cima das diferenças de raça, cultura, ou simplesmente de idade ou caráter: compreender que Jesus é o objeto da nossa caridade. Nos outros, vemo‑lo a Ele: “Com razão se pode dizer que é o próprio Cristo quem nos pobres levanta a voz para despertar a caridade dos seus discípulos”8.
III. O EVANGELHO CONTINUA: Mas um samaritano que ia de viagem chegou perto dele; e, quando o viu, moveu‑se de compaixão. E, aproximando‑se, vendou‑lhe as feridas, depois de lançar nelas azeite e vinho; e, pondo‑o sobre o seu jumento, levou‑o a uma estalagem e cuidou dele. E no dia seguinte tirou dois dinheiros, deu‑os ao estalajadeiro e disse‑lhe: Cuida dele; e quanto gastares a mais, eu to satisfarei quando voltar.
O samaritano, apesar da grande separação que havia entre judeus e samaritanos, percebeu imediatamente a desgraça e moveu‑se de compaixão. Há quem esteja cego para qualquer coisa que lhe possa trazer aborrecimentos, e há quem intua prontamente uma pena no coração do próximo. O samaritano não experimenta uma compaixão puramente teórica, ineficaz. Pelo contrário, emprega os meios necessários para prestar uma ajuda concreta e prática. A ação que pratica talvez não chegue a ser um ato heróico, mas é o que era necessário que fizesse. Antes de mais nada aproximou‑se, que é o que devemos começar por fazer perante o infortúnio ou a necessidade: aproximar‑nos, não observar as necessidades alheias de longe, como se não nos dissessem respeito. Depois, teve as atenções que a situação requeria: cuidou dele.
Nem sempre se tratará de atos heróicos, difíceis; freqüentemente, serão coisas simples, muitas vezes pequenas, “pois essa caridade não deve ser procurada unicamente nos acontecimentos importantes, mas, sobretudo, na vida corrente”9: em prestar um pequeno serviço de passagem, em ter uma palavra animadora e bem‑humorada para o colega de trabalho que encontramos nessa manhã com cara de poucos amigos, em dizer amavelmente onde fica uma rua ou que horas são, em escutar sem mostrar pressa um colega que nos interrompe o trabalho ou um filho que nos interrompe a leitura do jornal…
Os afazeres do bom samaritano passaram momentaneamente para segundo plano, como também as suas urgências. É o que o Senhor nos pede a todos, e não só em relação às nossas ocupações e ao nosso tempo, como também aos nossos gostos – e, por maioria de razão, aos nossos caprichos –, que devem ceder à mais leve oportunidade de cuidar dos outros.
Jesus conclui o ensinamento com uma palavra cordial dirigida ao doutor: Vai, diz‑lhe, e faze tu o mesmo. Sê o próximo inteligente, ativo e compassivo com todo aquele que precisar de ti. São palavras que nos dirige também a nós ao acabarmos esta meditação. Para podermos vivê‑las, recorremos à Santíssima Virgem: “Não existe coração mais humano que o de uma criatura que transborda de sentido sobrenatural. Pensa em Santa Maria, a cheia de graça, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo: no seu Coração cabe a humanidade inteira sem diferenças nem discriminações. – Cada um é seu filho, sua filha”10.
(1) Cfr. Lc 10, 27; (2) Lev 19, 9‑10; (3) Lev 19, 18; (4) Lc 10, 25‑37; (5) Card. M. Gonzáles Martín, Libres en la caridad, Balmes, Barcelona, 1970, pág. 58; (6) Mc 14, 6; (7) São João Crisóstomo, Homilia 15 sobre a Epístola aos Romanos; (8) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 88; (9) ib., 38; (10) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 801.
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