Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo – Domingo
I. O SENHOR SENTAR-SE-Á como rei para sempre, o Senhor abençoará o seu povo dando-lhe a paz1, recorda-nos uma das Antífonas da Missa.
A solenidade que celebramos hoje “é como uma síntese de todo o mistério salvífico”2. Com ela encerra-se o ano litúrgico: depois de termos celebrado todos os mistérios da vida do Senhor, apresenta-se agora à nossa consideração Cristo glorioso, Rei de toda a criação e das nossas almas. Ainda que as festas da Epifania, Páscoa e Ascensão sejam também festas de Cristo Rei e Senhor de todas as coisas criadas, a de hoje foi especialmente instituída para nos mostrar Jesus como único soberano de uma sociedade que parece querer viver de costas para Deus3.
Os textos da Missa salientam o amor de Cristo-Rei, que veio estabelecer o seu reinado, não com a força de um conquistador, mas com a bondade e a mansidão do pastor: Eis que eu mesmo irei buscar as minhas ovelhas, seguindo o seu rasto. Assim como um pastor segue o rasto do seu rebanho quando as ovelhas se encontram dispersas, assim eu seguirei o rasto das minhas ovelhas; e livrá-las-ei tirando-as de todos os lugares por onde se tenham dispersado no dia das nuvens tempestuosas e da escuridão4.
Foi com esta solicitude que o Senhor veio em busca dos homens dispersos e afastados de Deus pelo pecado. E como estavam feridos e doentes, curou-os e vendou-lhes as feridas. Tanto os amou que deu a vida por eles. “Como Rei, vem para revelar o amor de Deus, para ser o Mediador da Nova Aliança, o Redentor do homem. O Reino instaurado por Jesus Cristo atua como fermento e sinal de salvação a fim de construir um mundo mais justo, mais fraterno, mais solidário, inspirado nos valores evangélicos da esperança e da futura bem-aventurança a que todos estamos chamados. Por isso, no Prefácio da celebração eucarística de hoje, fala-se de Jesus que ofereceu ao Pai um reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz”5.
Assim é o Reino de Cristo, do qual somos chamados a participar e que somos convidados a dilatar mediante um apostolado fecundo. O Senhor deve estar presente nos nossos familiares, amigos, vizinhos, companheiros de trabalho… “Perante os que reduzem a religião a um cúmulo de negações, ou se conformam com um catolicismo de meias-tintas; perante os que querem pôr o Senhor de cara contra a parede, ou colocá-lo num canto da alma…, temos de afirmar, com as nossas palavras e com as nossas obras, que aspiramos a fazer de Cristo um autêntico Rei de todos os corações…, também dos deles”6.
II. OPORTET AUTEM illum regnare…, é necessário que Ele reine…7
São Paulo ensina que a soberania de Cristo sobre toda a criação cumpre-se agora no tempo, mas alcançará a sua plenitude definitiva depois do Juízo universal. O Apóstolo apresenta este acontecimento, para nós misterioso, como um ato de solene homenagem ao Pai: Cristo oferecer-lhe-á toda a criação como um troféu e apresentar-lhe-á finalmente o Reino cuja realização lhe havia sido confiada até aquele momento8. A sua vinda gloriosa no fim dos tempos, quando tiver estabelecido os novos céus e a nova terra9, representará o triunfo definitivo sobre o demônio, o pecado, a dor e a morte10.
Entretanto, a atitude do cristão não pode ser de mera passividade em relação ao reinado de Cristo no mundo. Nós desejamos ardentemente esse reinado: Oportet illum regnare…! É necessário que Cristo reine em primeiro lugar na nossa inteligência, mediante o conhecimento da sua doutrina e o acatamento amoroso dessas verdades reveladas. É necessário que reine na nossa vontade, para que se identifique cada vez mais plenamente com a vontade divina. É necessário que reine no nosso coração, para que nenhum amor se anteponha ao amor a Deus. É necessário que reine no nosso corpo, templo do Espírito Santo11; no nosso trabalho profissional, caminho de santidade… “Como és grande, Senhor nosso Deus! Tu és quem dá à nossa vida sentido sobrenatural e eficácia divina. Tu és a causa de que, por amor do teu Filho, possamos repetir com todas as forças do nosso ser, com a alma e com o corpo: Convém que Ele reine!, enquanto ressoa a canção da nossa fraqueza, pois sabes que somos criaturas”12.
A festa de hoje é como uma antecipação da segunda vinda de Cristo em poder e majestade, a vinda gloriosa que se apossará dos corações e secará toda a lágrima de infelicidade. Mas é, ao mesmo tempo, uma chamada e um incentivo para que todas as coisas à nossa volta se deixem impregnar pelo espírito amável de Cristo, pois “a esperança de uma nova terra, longe de atenuar, deve antes estimular a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra, na qual cresce o Corpo da nova família humana que já nos pode oferecer um certo esboço do novo mundo. Por isso, ainda que o progresso terreno deva ser cuidadosamente distinguido do crescimento do Reino de Cristo, no entanto o progresso terreno é de grande interesse para o Reino de Deus, na medida em que pode contribuir para organizar melhor a sociedade humana.
“Depois de termos propagado na terra – no Espírito do Senhor e por sua ordem – os valores da dignidade humana, da comunidade fraterna e da liberdade, voltaremos a encontrar todos esses bons frutos da natureza e do nosso trabalho – desta vez limpos já de toda a impureza, iluminados e transfigurados – quando Cristo entregar ao Pai o Reino eterno e universal […]. O Reino já está misteriosamente presente aqui na terra. E quando o Senhor vier, alcançará a sua perfeição”13. Nós colaboramos na propagação do reinado de Jesus quando procuramos tornar mais humano e mais cristão o pequeno mundo que freqüentamos diariamente.
III. JESUS RESPONDEU a Pilatos: O meu Reino não é deste mundo… E quando o Procurador tornou a interpelá-lo, afirmou-lhe: Tu o dizes, eu sou rei14. Não sendo deste mundo, o Reino de Cristo começa já nesta terra. O seu reinado expande-se entre os homens quando eles se sentem filhos de Deus, quando se alimentam dEle e vivem para Ele.
Cristo é um Rei que recebeu todo o poder no céu e na terra, e governa sendo manso e humilde de coração15, servindo a todos, porque não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a redenção de muitos. O seu trono foi o presépio de Belém e depois a Cruz do Calvário. Sendo o Príncipe dos reis da terra16, não exige outros tributos além da fé e do amor.
Um ladrão foi o primeiro a reconhecer a sua realeza: Senhor – dizia-lhe ele com uma fé simples e humilde –, lembra-te de mim quando entrares no teu reino17. O título que para muitos foi motivo de escândalo e de injúrias, será a salvação deste homem em quem a fé lançou raízes, quando mais oculta parecia a divindade do Salvador. O Senhor “concede sempre mais do que aquilo que lhe pedem: o ladrão só lhe pedia que se lembrasse dele; mas o Senhor disse-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso. A vida consiste em habitar com Jesus Cristo, e onde está Jesus Cristo ali está o seu Reino”18.
Na festa de hoje, ouvimos o Senhor dizer-nos na intimidade do nosso coração: Eu tenho sobre ti desígnios de paz e não de aflição19. E fazemos o propósito de corrigir no nosso coração o que não estiver de acordo com o querer de Cristo.
Ao mesmo tempo, pedimos-lhe que nos reforce a vontade de colaborar na tarefa de estender o seu reinado ao nosso redor e em tantos lugares em que ainda não o conhecem. “Foi para isso que nós, os cristãos, fomos chamados, essa é a nossa tarefa apostólica e a preocupação que deve consumir a nossa alma: conseguir que o reino de Cristo se torne realidade, que não haja mais ódios nem crueldades, que estendamos pela terra o bálsamo forte e pacífico do amor”20. Que o Senhor nos faça sentir-nos verdadeiramente comprometidos a realizar um apostolado constante e eficaz.
Para tornarmos realidade os nossos desejos, recorremos uma vez mais a Nossa Senhora. “Maria, a Mãe santa do nosso Rei, a Rainha do nosso coração, cuida de nós como só Ela o sabe fazer. Mãe compassiva, trono da graça: nós te pedimos que saibamos compor na nossa vida e na vida dos que nos rodeiam, verso a verso, o poema singelo da caridade, quasi fluvium pacis (Is 66, 12), como um rio de paz. Pois tu és um mar de inesgotável misericórdia”21.
(1) Sl 28, 10-11; Antífona da comunhão da Missa do último domingo do Tempo Comum; (2) João Paulo II, Homilia, 20.11.83; (3) cfr. Pio XI, Carta Encíclica Quas primas, 11.12.25; (4) Ez 34, 11-12; Primeira leitura da Missa do último domingo do Tempo Comum, ciclo A; (5) João Paulo II, Alocução, 26.11.89; (6) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Sulco, n. 608; (7) 1 Cor 15, 25; Segunda leitura da Missa do último domingo do Tempo Comum, ciclo A; (8) cfr. 1 Cor 15, 23-28; (9) Apoc 21, 1-2; (10) cfr. Sagrada Bíblia, Epístola de São Paulo aos Coríntios, nota a 1 Cor 15, 23-28; (11) cfr. Pio XI, Carta Encíclica Quas primas, cit.; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 181; (13) Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 39; (14) Jo 18, 36-37; (15) cfr. Mt 11, 29; (16) Apoc 1, 5; Segunda leitura da Missa do último domingo do Tempo Comum, ciclo B; (17) Lc 23, 42; (18) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas; (19) Jer 29, 11; (20) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 183; (21) ibid., n. 187.
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