O discípulo que o Senhor amava
O Apóstolo São João era natural de Betsaida, cidade da Galiléia na margem norte do mar de Tiberíades. Seus pais eram Zebedeu e Salomé; e seu irmão, Tiago. Formavam uma família remediada de pescadores que, ao conhecerem o Senhor, não duvidaram em pôr-se totalmente à sua disposição. João e Tiago, em resposta à chamada de Jesus, seguiram-no, deixando seu pai Zebedeu na barca com os jornaleiros1. Salomé, a mãe, também seguiu Jesus, servindo-o com os seus bens na Galiléia e em Jerusalém, e acompanhando-o até o Calvário2.
João tinha sido discípulo do Batista quando este pregava no Jordão, até que um dia Jesus passou por ali e o Precursor o apontou: Eis o Cordeiro de Deus. Ao ouvir isso, foram atrás do Senhor e passaram com Ele aquele dia3. São João nunca esqueceu esse encontro. Não quis dizer-nos nada do que falou naquele dia com o Mestre, mas sabemos que, a partir de então, nunca mais o abandonou; quando escreve o seu Evangelho, já ancião, não deixa de mencionar a hora em que se deu o seu encontro com Jesus: Era por volta da hora décima4, das quatro da tarde.
Voltou para casa, retomando o trabalho da pesca. Pouco tempo depois, o Senhor, que o preparara desde aquele primeiro encontro, chama-o definitivamente para formar parte do grupo dos Doze. Era o mais novo dos Apóstolos; ainda não devia ter vinte anos quando correspondeu à chamada do Senhor5, e fê-lo com o coração inteiro, com um amor indiviso, exclusivo.
Em São João – e em nós – vemos como a vocação dá sentido a tudo; a vida inteira é afetada pelos planos do Senhor. “A descoberta da vocação pessoal é o momento mais importante de toda a existência. Faz com que tudo mude sem nada mudar, tal como uma paisagem que, sendo a mesma, é diferente antes e depois de o sol nascer, quando é banhada pela lua ou quando está mergulhada nas trevas da noite. Toda a descoberta comunica uma nova beleza às coisas, e, como ao lançar nova luz provoca novas sombras, é prelúdio de outras descobertas e de luzes novas, ainda mais belas”6.
Toda a vida de João esteve centrada no seu Senhor e Mestre. Na sua fidelidade a Jesus, encontrou ele o sentido da sua vida. Não opôs nenhuma resistência à chamada divina, e soube permanecer no Calvário quando todos os outros desapareceram. Assim há de ser a vida de cada um de nós, pois toda a pregação do Senhor, à parte as chamadas especiais que dirige a este ou àquele, encerra de algum modo uma vocação, um convite para segui-lo numa vida nova cujo segredo só Ele possui:Se alguém quiser vir após Mim…7
O Senhor escolheu-nos a todos8 – a alguns com uma vocação específica – para segui-lo, imitá-lo e prosseguir no mundo a obra da sua Redenção. E de todos espera uma fidelidade alegre e firme, como foi a do Apóstolo João, tanto nos momentos fáceis como nos difíceis.
II. ESTE É O APÓSTOLO que durante a ceia reclinou a cabeça no peito do Senhor. Este é o apóstolo a quem foram revelados os segredos do Reino e que difundiu por toda a terra as palavras da vida9.
Juntamente com Pedro, São João recebeu do Senhor particulares provas de amizade e de confiança. O Evangelista cita-se a si próprio, discretamente, como o discípulo que Jesus amava10. Isto indica que Jesus teve um especial afeto por ele. No momento solene da Última Ceia, quando Jesus anuncia aos Apóstolos a traição de um deles, João não duvida em perguntar ao Senhor, apoiando a cabeça no seu peito, quem seria o traidor11. A suprema expressão de confiança no discípulo amado se dá quando o Senhor, do alto da Cruz, lhe entrega o maior amor que teve na terra: a sua Santíssima Mãe. Se o momento em que Jesus o chamou para que o seguisse, deixando todas as coisas, foi transcendental na sua vida, também o foi o instante em que recebeu no Calvário a missão mais delicada e amável de todas: cuidar da Mãe de Deus.
Jesus, vendo sua mãe e o discípulo a quem amava, que estava ali, disse à sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa12. Hoje olhamos o discípulo que Jesus amava com uma santa inveja pelo imenso dom que o Senhor lhe fez ao confiar-lhe a sua Mãe, e ao mesmo tempo podemos agradecer-lhe os cuidados que teve para com Ela até o final dos seus dias aqui na terra.
Todos os cristãos, representados em João, somos filhos de Maria. Temos que aprender do Apóstolo a tratá-la com confiança. Ele, “o discípulo amado de Jesus, recebe Maria e introdu-la em sua casa, na sua vida. Os autores espirituais viram nessas palavras do Santo Evangelho um convite dirigido a todos os cristãos para que todos soubessem também introduzir Maria em suas vidas. Em certo sentido, é um esclarecimento quase supérfluo, porque Maria quer sem dúvida que a invoquemos, que nos aproximemos dEla com confiança, que recorramos à sua maternidade, pedindo-lhe que se manifeste como nossa Mãe”13.
Podemos imaginar também a enorme influência que Maria teria exercido na alma do jovem Apóstolo. E podemos imaginá-la com maior precisão se recordarmos essas épocas da nossa vida – talvez estes dias – em que nós próprios recorremos à Mãe de Deus e a tratamos com particular intimidade.
III. POUCOS DIAS depois da Ressurreição do Senhor, alguns dos seus discípulos encontravam-se junto do mar de Tiberíades, na Galiléia, cumprindo o que o Ressuscitado lhes havia indicado14. Estão novamente ocupados no seu ofício de pescadores. Entre eles encontram-se João e Pedro.
O Senhor vai ter com os seus. O relato descreve-nos uma cena tocante entre Jesus e os que, apesar de tudo, lhe permaneciam fiéis. “Passa ao lado dos seus Apóstolos, junto dessas almas que se lhe entregaram. E eles não se dão conta disso. Quantas vezes está Cristo, não perto de nós, mas dentro de nós, e temos uma vida tão humana! […]. Volta à memória daqueles discípulos o que tantas vezes tinham ouvido dos lábios do Mestre: pescadores de homens, apóstolos. E compreendem que tudo é possível, porque é Ele quem dirige a pesca.
“Então aquele discípulo que Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor! O amor, o amor vê de longe. O amor é o primeiro a captar essas delicadezas. O Apóstolo adolescente, com o firme carinho que sentia por Jesus, pois amava a Cristo com toda a pureza e toda a ternura de um coração que nunca se corrompera, exclamou: É o Senhor!
“Simão Pedro, mal ouviu dizer que era o Senhor, vestiu a túnica e lançou-se ao mar. Pedro é a fé. E lança-se ao mar, cheio de uma audácia maravilhosa. Com o amor de João e a fé de Pedro, até onde não poderemos nós chegar!”15
É o Senhor! Este grito deve sair também dos nossos corações no meio do trabalho, quando chega a doença, no relacionamento com os familiares, com os amigos, etc. Temos que pedir a São João que nos ensine a distinguir o rosto de Jesus no meio das realidades em que nos movemos, porque Ele está muito perto de nós e é o único que pode dar sentido ao que fazemos.
Além dos escritos inspirados por Deus, conhecemos por tradição detalhes que confirmam o desvelo com que São João se empenhou em que se mantivessem entre os primeiros cristãos a pureza da fé e a fidelidade ao mandamento do amor fraterno16. São Jerônimo conta-nos que o Apóstolo, já muito velho, repetia continuamente aos discípulos que o levavam às reuniões: “Filhinhos, amai-vos uns aos outros”. E quando um dia lhe perguntaram por que insistia em repetir sempre a mesma coisa, respondeu: “Este é o mandamento do Senhor; se se cumpre, não é preciso mais nada”17.
Podemos pedir hoje a São João muitas coisas: de modo especial, que os jovens procurem a Cristo, que o encontrem e tenham a generosidade de seguir a sua chamada. E podemos ainda recorrer à sua intercessão para que nós mesmos sejamos fiéis ao Senhor como ele o foi; para que saibamos ter o amor e o respeito pelo sucessor de Pedro que ele manifestou pelo primeiro Vigário de Cristo na terra; para que nos ensine a tratar Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa, com mais carinho e mais confiança; para que aqueles que estão ao nosso lado possam saber que somos discípulos de Jesus pelo modo como os tratamos.
Ó Deus, que pelo Apóstolo São João nos revelastes os mistérios do vosso Filho, tornai-nos capazes de conhecer e amar o que ele nos ensinou de modo incomparável18.
(1) Mc 1, 20; (2) Mc 15, 40-41; (3) Jo 1, 35-39; (4) Jo 1, 39; (5) cfr. Santos Evangelhos, EUNSA, 1983, pág. 1094; (6) F. Suárez, A Virgem Nossa Senhora, pág. 80; (7) Mt 16, 24; (8) cfr. Rom 1, 7; 2 Cor 1, 1; (9) Antífona de entrada da Missa do dia 27 de dezembro; (10) cfr. Jo 13, 23; 19, 26; etc.; (11) Jo 13, 23; (12) Jo 19, 26-27; (13) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 140; (14) cfr. Mt 28, 7; (15) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, ns. 265-266; (16) cfr. Santos Evangelhos, EUNSA, 1983, pág. 1101; (17) São Jerônimo, Comentário a Gálatas, 3, 6; (18) Coleta da Missa do dia 27 de dezembro.
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