Memória de Nossa Senhora de Lourdes
No ano de 1858, a Imaculada Virgem Maria apareceu dezoito vezes a Bernadette Soubirous em Lourdes. A primeira aparição foi no dia 11 de fevereiro. Por meio dessa menina, a Virgem chama os pecadores à conversão e a um maior espírito de oração e caridade, principalmente para com os necessitados. Recomenda a recitação do terço, oração por meio da qual recorremos à nossa Mãe como filhos pequenos e necessitados. Leão XIII aprovou esta festividade e Pio X estendeu-a a toda a Igreja. Bernadette foi canonizada por Pio XI em 1925.
I. QUATRO ANOS DEPOIS de ter sido proclamado o dogma da Imaculada Conceição, a Santíssima Virgem apareceu a uma menina de catorze anos, Bernadette Soubirous, numa gruta perto de Lourdes. A Virgem era de tal beleza que se tornava impossível descrevê-la, conta a Santa1. Quando, tempos mais tarde, o escultor da gruta perguntou a Bernadette se a sua obra, que representava a Virgem, se assemelhava à aparição, ela respondeu com grande candura e simplicidade: “Oh, não, senhor, de maneira nenhuma! Não se parece nada!” A Virgem é sempre mais bela.
As aparições sucederam-se durante mais dezessete dias. A menina perguntava à Senhora qual o seu nome, e ela “sorria docemente”. Finalmente, Nossa Senhora revelou-lhe que era a Imaculada Conceição.
Ocorreram em Lourdes muitos prodígios nos corpos e muitos mais nas almas. Foram incontáveis as curas, e muitos mais os que regressaram curados das diferentes doenças de que a alma pode sofrer: recuperaram a fé, abriram-se a uma piedade mais profunda e enérgica ou passaram a aceitar amorosamente a vontade divina.
A primeira Leitura da Missa2 propõe à nossa consideração as palavras com que o profeta Isaías consolava o Povo eleito no desterro, animando-o com a esperança do retorno à Cidade Santa, onde encontrariam o consolo que um filho pequeno encontra em sua mãe. Porque isto é o que diz o Senhor: Eis que eu farei correr a paz sobre ela como um rio, e a opulência das nações como uma torrente que transborda. Sugareis o seu leite, sereis levados ao seu regaço e acariciados no seu colo. Como uma mãe acaricia o seu filhinho, assim Eu vos consolarei…
Ao meditarmos na festa de hoje, vemos como o Senhor quis colocar nas mãos de Maria todas as verdadeiras riquezas que nós, os homens, devemos implorar, e como nos deixou nEla o consolo de que estamos tão necessitados. As dezoito aparições à pequena Bernadette são uma mensagem que nos recorda a misericórdia de Deus, exercida por meio de Santa Maria.
A Virgem mostra-se sempre como Saúde dos enfermos e Consoladora dos aflitos. Ao fazermos hoje a nossa oração, expomos-lhe todas as nossas necessidades, que são muitas. Ela conhece-as bem, escuta-nos sem termos de sair do lugar em que nos encontramos e quer que recorramos à sua proteção. E isto cumula-nos de alegria e de consolo, especialmente na festa que celebramos hoje. Recorremos a Maria como filhos pequenos que não querem afastar-se de sua mãe: “Mãe, minha Mãe…”, dizemos-lhe na intimidade da nossa oração, pedindo-lhe ajuda para todas as necessidades que nos afligem ou nos preocupam.
II. A SANTÍSSIMA VIRGEM também quis recordar naquela gruta a necessidade da conversão e da penitência. A nossa Mãe quis pôr de relevo que a humanidade foi redimida na Cruz, e que é atual o valor redentor da dor, do sofrimento e da mortificação voluntária.
Aquilo que, com uma visão puramente humana, os homens consideram um grande mal pode ser, com olhos de bons cristãos, um grande bem: a doença, a pobreza, a dor, o fracasso, a difamação, a perda do emprego… Em momentos humanamente muito difíceis, podemos descobrir, com a ajuda da graça, que essas situações de desamparo são um grande caminho para uma sincera humildade, abrindo-nos os olhos para a absoluta dependência de Deus em que o homem se encontra. A doença, ou qualquer desgraça, pode ajudar-nos muito a desapegar-nos um pouco mais das coisas da terra, a que talvez estejamos demasiado presos, quase sem o percebermos. Sentimos então a necessidade de olhar para o Céu e de fortalecer a esperança sobrenatural, ao verificarmos a fragilidade das esperanças humanas.
A doença ajuda-nos a confiar mais em Deus, que nunca nos prova acima das nossas forças3, e a abandonar-nos plenamente nos seus braços fortes de pai. Deus conhece bem as nossas forças e nunca nos pedirá mais do que aquilo que podemos dar. Qualquer infelicidade é uma boa ocasião para pormos em prática o conselho de Santo Agostinho: fazer o que se pode e pedir o que não se pode4, pois o Senhor não manda coisas impossíveis.
A grande prova de amor que podemos dar é aceitar a doença – e a própria morte – entregando a vida como oblação e sacrifício por Cristo, para o bem de todo o seu Corpo Místico, a Igreja. As nossas penas e dores perdem a sua carga de amargura quando se elevam ao Céu. Poenae sunt pennae, “as penas são asas”, diz uma antiga expressão latina. Uma doença pode converter-se em asas que nos elevam até Deus. Como é diferente uma doença que acolhemos com fé e humildade de uma outra que, pelo contrário, recebemos com pouca fé, mal-humorados, magoados ou tristes!
III. E ESTAVA LÁ a mãe de Jesus5. Vemos com alegria como é enorme a variedade de tipos e condições de pessoas que se aproximam dos santuários da Virgem e se prostram aos seus pés. Talvez não se aproximassem se não tivessem experimentado a debilidade, a dor ou a necessidade, própria ou alheia.
Referindo-se à festa de hoje, o Papa João Paulo II perguntava-se por que pessoas tão diversas se dirigem à gruta onde ocorreram as aparições, e respondia: “Porque sabem que ali, como em Caná, «está a mãe de Jesus»: e onde Ela está não pode faltar o seu Filho. Esta é a certeza que arrasta as multidões que todos os anos – como uma avalanche – se dirigem a Lourdes à procura de um alívio, de um consolo, de uma esperança […].
“A cura milagrosa, no entanto, é, apesar de tudo, um acontecimento excepcional. A potência salvífica de Cristo, obtida por intercessão de sua Mãe, revela-se em Lourdes sobretudo no âmbito espiritual. Nos corações dos doentes, Ela faz ouvir a voz do Filho que dissolve prodigiosamente os tumores da acritude e da rebelião, e restitui a vista aos olhos da alma para que possam ver sob uma luz nova o mundo, os outros, o seu próprio destino”6.
O Senhor, a quem a sua Mãe sempre nos conduz, amava os doentes. São Pedro resume a sua vida nestas poucas palavras: Jesus de Nazaré… passou fazendo o bem e curando…7 Os Evangelhos não se cansam de mencionar a misericórdia do Mestre para com os que sofriam na alma ou no corpo. Grande parte do seu ministério aqui na terra, dedicou-o o Senhor a curar os doentes e a consolar os aflitos. “Era sensível a todo o sofrimento humano, tanto do corpo como da alma”8.
Ele é compassivo e espera da nossa parte que empreguemos os meios ao nosso alcance para sairmos de uma doença ou de uma situação difícil; e nunca permitirá provas que estejam acima das nossas forças. Dar-nos-á em todos os instantes as graças suficientes para que essas circunstâncias dolorosas não nos afastem dEle. Podemos pedir-lhe a cura ou que se resolvam os problemas que pesam sobre nós, mas devemos sobretudo pedir-lhe docilidade à graça, para que nessas circunstâncias – nessas e não em outras – saibamos crescer na fé, na esperança e na caridade.
Experimentaremos também um grande alívio nos nossos sofrimentos se não pensarmos excessivamente neles, por termos deixado essas penas nas mãos de Deus; como também se não pensarmos nas conseqüências futuras dos males que nos acometem, pois ainda não temos as graças necessárias para suportá-las… e talvez não se apresentem. A cada dia basta o seu cuidado9. Não esqueçamos que “todos estamos chamados a sofrer, mas nem todos no mesmo grau e da mesma maneira; cada um seguirá nisto a sua chamada, correspondendo a ela generosamente. O sofrimento, que do ponto de vista humano é tão desagradável, converte-se em fonte de santificação e de apostolado quando o aceitamos com amor e em união com Jesus…10, corredimindo com Ele, sentindo-nos filhos de Deus, especialmente nessas circunstâncias.
Recorramos em tudo a Maria. Ela sempre nos atenderá. Alcançar-nos-á o que lhe pedimos, ou conseguir-nos-á graças ainda maiores e mais abundantes para que dos males saibamos tirar bens; e dos grandes males, grandes bens. Seja qual for a nossa situação, experimentaremos sempre o seu consolo. Consolatrix afflictorum, Salus infirmorum, Auxilium christianorum… ora pro eis…, ora pro me.
Vinde em auxílio da nossa fraqueza, ó Deus de misericórdia, e fazei que, ao recordarmos hoje a Imaculada Mãe do vosso Filho, nos vejamos livres das nossas culpas por sua intercessão11.
(1) Liturgia das Horas, Segunda leitura; carta de Santa Maria Bernadette Soubirous ao padre Godrand, 1861; (2) Is 66, 10-14; (3) cfr. 1 Cor 10, 13; (4) cfr. Santo Agostinho, Tratado da natureza e da graça, 43, 5; (5) cfr. Jo 2, 1; (6) João Paulo II, Homilia, 11-II-1980; (7) At 10, 38; (8) João Paulo II, Carta Apost. Salvifici doloris, 11-II-1984, 16; (9) Mt 6, 34; (10) A. Tanquerey, La divinización del sufrimiento, Rialp, Madrid, 1955, pág. 240; (11) Liturgia das Horas, Oração conclusiva de Laudes.
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