Jesus morre na Cruz | Semana Santa – 6ª feira
JESUS É PREGADO na cruz. E a liturgia canta: Doces cravos, doce árvore onde a Vida começa…!1
Toda a vida de Jesus está orientada para este momento supremo. Muito a custo, consegue chegar ofegante e exausto ao cimo daquela pequena colina chamada “lugar da caveira”. A seguir, estendem-no no chão e começam a pregá-lo no madeiro. Introduzem primeiro os ferros nas mãos, desfibrando-lhe nervos e carne. Depois, é içado até ficar erguido sobre a trave vertical fixada no chão. Por fim, pregam-lhe os pés. Maria, sua Mãe, contempla a cena.
O Senhor está firmemente pregado na Cruz. “Tinha esperado por ela durante muitos anos, e naquele dia cumpria-se o seu desejo de redimir os homens […]. Aquilo que até Ele tinha sido um instrumento infame e desonroso, convertia-se em árvore de vida e escada de glória. Invadia-o uma profunda alegria ao estender os braços sobre a cruz, para que todos soubessem que era assim que teria sempre os braços para os pecadores que dEle se aproximassem: abertos.
“Viu – e isso o cumulou de alegria – como a cruz seria amada e adorada, porque Ele iria morrer nela. Viu os mártires que, por seu amor e para defender a verdade, iriam padecer um martírio semelhante ao seu. Viu o amor dos seus amigos, viu as suas lágrimas diante da cruz. Viu o triunfo e a vitória que os cristãos alcançariam com a arma da cruz. Viu os grandes milagres que, pelo sinal da cruz, se iriam realizar em todo o mundo. Viu tantos homens que, com a sua vida, iriam ser santos por terem sabido morrer como Ele e por terem vencido o pecado”2. Viu como nós iríamos beijar tantas vezes um crucifixo; viu o nosso recomeçar em tantas ocasiões…
Jesus está suspenso da cruz. Ao seu redor, o espetáculo é desolador: alguns passam e injuriam-no; os príncipes dos sacerdotes, mais ferinos e mordazes, zombam dEle; e outros, indiferentes, simplesmente observam o que está acontecendo. Muitos dos presentes o tinham visto abençoar, pregar uma doutrina salvadora e mesmo fazer milagres. Não há censura alguma nos olhos de Jesus; apenas piedade e compaixão.
Oferecem-lhe vinho com mirra. Dai licor àquele que desfalece e vinho àquele que traz amargura no seu coração: que bebam e esquecerão a sua miséria e não voltarão a lembrar-se das suas mágoas3. Era costume ter esses gestos de humanidade com os condenados. A bebida – um vinho forte com um pouco de mirra – adormecia e aliviava o sofrimento. O Senhor provou-a por gratidão para com aquele que lha oferecia, mas não quis tomá-la, para esgotar o cálice da dor.
Por que tanto padecimento?, pergunta-se Santo Agostinho. E responde: “Tudo o que Ele padeceu é o preço do nosso resgate”4. Não se contentou com sofrer alguma coisa: quis esgotar o cálice para que compreendêssemos a grandeza do seu amor e a baixeza do pecado; para que fôssemos generosos na entrega, na mortificação, no espírito de serviço.
II. A CRUCIFIXÃO era a execução mais cruel e afrontosa que a Antigüidade conhecia. Um cidadão romano não podia ser crucificado. A morte sobrevinha depois de uma longa agonia. Às vezes, os verdugos aceleravam o fim do crucificado quebrando-lhe as pernas. Desde os tempos apostólicos até os nossos dias, são muitos os que se negam a aceitar um Deus feito homem que morre num madeiro para salvar-nos: o drama da cruz continua a ser escândalo para os judeus e loucura para os gentios5. Desde sempre existiu a tentação de desvirtuar o sentido da Cruz.
A união íntima de cada cristão com o seu Senhor necessita do conhecimento completo da sua vida, incluído o capítulo da Cruz. Aqui se consuma a nossa Redenção, aqui a dor do mundo encontra o seu sentido, aqui conhecemos um pouco a malícia do pecado e o amor de Deus por cada um dos homens. Não permaneçamos indiferentes diante de um crucifixo.
“Já pregaram Jesus ao madeiro. Os verdugos executaram impiedosamente a sentença. O Senhor deixou que o fizessem, com mansidão infinita.
“Não era necessário tanto tormento. Ele podia ter evitado aquelas amarguras, aquelas humilhações, aqueles maus tratos, aquele juízo iníquo, e a vergonha do patíbulo, e os pregos, e a lança… Mas quis sofrer tudo isso por ti e por mim. E nós não havemos de saber corresponder?
“É muito possível que nalguma ocasião, a sós com um crucifixo, te venham as lágrimas aos olhos. Não te contenhas… Mas procura que esse pranto acabe num propósito”6.
III. OS FRUTOS DA CRUZ não se fizeram esperar. Um dos ladrões, depois de reconhecer os seus pecados, dirige-se a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando tiveres entrado no teu reino. Fala-lhe com a confiança que lhe outorga o fato de ser seu companheiro de suplício. Viu o seu comportamento desde que empreenderam a caminhada para o Calvário: o seu silêncio impressionante; o seu olhar cheio de compaixão sobre a multidão que o cercava; a sua grande majestade no meio de tanto cansaço e dor. As palavras que agora pronuncia não são improvisadas: exprimem o resultado final de um processo que se iniciou no seu íntimo desde o momento em que se encontrou ao lado de Jesus. Não necessitou de nenhum milagre para converter-se em discípulo de Cristo; bastou-lhe contemplar de perto o sofrimento do Senhor, como tantos outros que, ao longo dos tempos, também se converteriam ao meditarem nos episódios da Paixão relatados pelos evangelistas.
No meio de tantos insultos, o Senhor escutou emocionado essa voz que o reconhecia como Deus. Deve-lhe ter causado uma grande alegria, depois de tanto sofrimento. Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso7, disse-lhe.
A eficácia da Paixão não tem fim. Vem inundando constantemente o mundo de paz, de graça, de perdão, de felicidade nas almas, de salvação. A Redenção realizada uma vez por Cristo aplica-se a cada homem, com a cooperação da sua liberdade. Cada um de nós pode dizer de verdade: O Filho de Deus amou-me e entregou-se por mim8. Não por “nós” de modo genérico, mas por mim, como se eu fosse o único.
“Jesus Cristo quis submeter-se por amor, com plena consciência, inteira liberdade e coração sensível […]. Ninguém morreu como Jesus Cristo, porque Ele era a própria Vida. Ninguém expiou o pecado como Ele, porque Ele era a própria Pureza”9. Nós recebemos agora copiosamente os frutos daquele amor de Jesus na Cruz. Só o nosso “não querer” pode tornar vã a Paixão de Cristo.
Muito perto de Jesus está sua Mãe, com outras santas mulheres. Também ali está João, o mais jovem dos Apóstolos. Quando Jesus viu sua Mãe e, perto dela, o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para sua casa10. Jesus, depois de dar-se a si próprio na Última Ceia, dá-nos agora o que mais ama na terra, o que lhe resta de mais precioso. Despojaram-no de tudo. E Ele nos dá Maria como nossa Mãe.
Este gesto tem um duplo sentido. Por um lado, o Senhor preocupa-se com a Virgem, cumprindo com toda a fidelidade o quarto mandamento do Decálogo. Por outro, declara que Ela é nossa Mãe. “A Santíssima Virgem avançou também na peregrinação da fé e manteve fielmente a sua união com o Filho até a Cruz, junto da qual, não sem um desígnio divino, permaneceu de pé (Jo 19, 25), sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com entranhas de mãe ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da Vítima que Ela mesma tinha gerado; e, finalmente, foi dada como mãe ao discípulo pelo próprio Cristo Jesus, agonizante na Cruz”11.
“Apagam-se as luminárias do céu, e a terra fica sumida em trevas. São perto das três, quando Jesus exclama:
“Eli, Eli, lamma sabachtani?! Isto é: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?(Mt 27, 46).
“Depois, sabendo que todas as coisas estão prestes a ser consumadas, para que se cumpra a Escritura diz:
“– Tenho sede (Jo 19, 28).
“Os soldados embebem em vinagre uma esponja e, pondo-a numa haste de hissopo, aproximam-na da sua boca. Jesus sorve o vinagre e exclama:
“– Tudo está consumado (Jo 19, 30).
“Rasga-se o véu do templo e a terra treme, quando o Senhor clama em voz forte:
“– Pai, em tuas mãos encomendo o meu espírito (Lc 23, 46).
“E expira.
“Ama o sacrifício, que é fonte de vida interior. Ama a Cruz, que é altar do sacrifício. Ama a dor, até beberes, como Cristo, o cálice até às fezes”12.
Com Maria, nossa Mãe, ser-nos-á mais fácil consegui-lo, e por isso cantamos-lhe com o hino litúrgico: “Ó doce fonte de amor! Faz-me sentir a tua dor para que chore contigo. Faz-me chorar contigo e doer-me deveras das tuas penas enquanto vivo; porque desejo acompanhar o teu coração compassivo na cruz em que o vejo. Faz com que a cruz me enamore e que nela viva e habite…”13
(1) Hino Crux fidelis, Adoração da Cruz, Ofício da Sexta-feira da Semana Santa; (2) L. de la Palma, La Pasión del Señor, pág. 168-169; (3) Prov 31, 6-7; (4) Santo Agostinho, Coment. sobre o Salmo 21, 11, 8; (5) cfr. 1 Cor 1, 23; (6) Josemaría Escrivá, Via Sacra, XIª est., n. 1; (7) Lc 23, 43; (8) Gal 2, 20; (9) R. Guardini, O Senhor; (10) Jo 19, 26-27; (11) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 58; (12) Josemaría Escrivá, Via Sacra, XIIª est.; (13) hino Stabat Mater.
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