O Batismo do Senhor
NA SOLENIDADE DE HOJE, comemoramos o batismo de Jesus por São João Batista nas águas do rio Jordão. Sem ter mancha alguma que purificar, Jesus quis submeter-se a esse rito tal como se submetera às observâncias da Lei de Moisés, que também não o obrigavam.
O Senhor desejou ser batizado, diz Santo Agostinho, “para proclamar com a sua humildade o que para nós era uma necessidade”1. Com o batismo de Jesus, ficou preparado o Batismo cristão, diretamente instituído por Jesus Cristo e imposto por Ele como lei universal no dia da sua Ascensão: Todo o poder me foi dado no céu e na terra, dirá o Senhor; ide, pois, ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo2.
O dia em que fomos batizados foi o mais importante da nossa vida, pois nele recebemos a fé e a graça. Assim como “a terra árida não dá fruto se não recebe água, assim também nós, que éramos como lenha seca, nunca daríamos frutos de vida sem esta chuva gratuita do alto”3. Antes de recebermos o batismo, todos nós nos encontrávamos com a porta do Céu fechada e sem nenhuma possibilidade de dar o menor fruto sobrenatural.
A nossa oração pode ajudar-nos hoje a agradecer por termos recebido esse dom imerecido e a alegrar-nos por tantos bens que Deus nos concedeu. “A gratidão é o primeiro sentimento que deve nascer em nós da graça batismal”4. Devemos agradecer a Deus que nos tenha purificado a alma da mancha do pecado original, bem como de qualquer outro pecado que tivéssemos naquele momento. Todos nós somos membros da família humana, que foi danificada na sua origem pelo pecado dos nossos primeiros pais. Este “pecado original transmite-se juntamente com a natureza humana, por propagação, não por imitação, e está em cada um como algo próprio”5. Mas Jesus dotou o Batismo de uma eficácia especialíssima para purificar a natureza humana e libertá-la desse pecado com que nascemos. A água batismal significa e atualiza de um modo real o que é evocado pela água natural: a limpeza e a purificação de toda a mancha e impureza6.
“Graças ao sacramento do Batismo tu te converteste em templo do Espírito Santo: não te passe pela cabeça – exorta-nos São Leão Magno – afugentar com as tuas más ações um hóspede tão nobre, nem voltar a submeter-te à servidão do demônio, porque o teu preço é o sangue de Cristo”7.
II. DEUS ETERNO e todo-poderoso, que, quando Cristo foi batizado no Jordão, e sobre ele pairou o Espírito Santo, o declarastes solenemente vosso Filho, concedei aos vossos filhos adotivos, renascidos da água e do Espírito Santo, a perseverança contínua no vosso amor8.
O Batismo iniciou-nos na vida cristã. Foi um verdadeiro nascimento para a vida sobrenatural. É a nova vida pregada pelos Apóstolos e da qual Jesus falara a Nicodemos: Em verdade te digo que quem não nascer do alto não poderá ver o Reino de Deus… O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito9. O resultado desta nova vida é uma certa divinização do homem e a capacidade de produzir frutos sobrenaturais.
A nossa dignidade mais alta – a condição de filhos de Deus, que nos é comunicada ao sermos batizados – é conseqüência dessa nova geração. Se a geração humana dá origem à “paternidade” e à “filiação”, de maneira semelhante aqueles que são gerados por Deus são realmente seus filhos: Vede que amor nos teve o Pai em querer que nos chamássemos filhos de Deus, e que o sejamos realmente! Caríssimos, agora nós somos filhos de Deus…10
No momento do batismo, pela efusão do Espírito Santo, produz-se, pois, o milagre de um novo nascimento. Numa das orações que se rezam quando a água batismal é abençoada na noite da Páscoa, pede-se que assim como o Espírito Santo desceu sobre Maria e produziu nEla o nascimento de Cristo, da mesma forma desça Ele sobre a sua Igreja e produza no seu seio materno (a pia batismal) o renascimento dos filhos de Deus. Estas palavras tão expressivas correspondem a uma profunda realidade: o batizado renasce para uma vida nova, a vida de Deus, e por isso é seu “filho”. E se somos filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo11.
Agradeçamos ao nosso Pai-Deus que tenha querido conceder-nos dons tão incomensuráveis, tão fora de qualquer padrão. Como pode fazer-nos bem considerar freqüentemente estas realidades! “«Padre» – dizia-me aquele rapagão (que será feito dele?), bom estudante da [Universidade] Central –, «estava pensando no que o senhor me falou…, que sou filho de Deus! E me surpreendi, pela rua, de corpo «emproado» e soberbo por dentro… Filho de Deus!» – Aconselhei-o, com segura consciência, a fomentar a «soberba»”12.
III. NA IGREJA, ninguém é um cristão isolado. A partir do batismo, o cristão passa a fazer parte de um povo, e a Igreja apresenta-se como a verdadeira família dos filhos de Deus. “Foi vontade de Deus que a santificação e a salvação dos homens não se dessem isoladamente, sem nenhuma conexão entre uns e outros, mas constituindo todos um povo que o confessasse em verdade e o servisse santamente”13. Ora, o Batismo é a porta por onde se entra na Igreja14.
“E na Igreja, precisamente pelo Batismo, somos todos chamados à santidade”15, cada um no seu próprio estado e condição. “A chamada à santidade e a conseqüente exigência de santificação pessoal são universais: todos, sacerdotes e leigos, estamos chamados à santidade; e todos recebemos, com o batismo, as primícias dessa vida espiritual que, por sua própria natureza, tende à plenitude”16.
Outra verdade intimamente unida a esta, a da condição de membros da Igreja, é a do caráter sacramental do Batismo, “um certo sinal espiritual e indelével” impresso na alma17. É como um selo que exprime o domínio de Cristo sobre a alma do batizado. Cristo tomou posse da nossa alma no momento em que fomos batizados. Ele nos resgatou do pecado com a sua Paixão e Morte.
Com estas considerações, compreendemos bem por que é de desejar que as crianças recebam sem demora esses dons de Deus18. Desde sempre a Igreja pediu aos pais que batizassem os seus filhos quanto antes. É uma demonstração prática de fé. Não é um atentado contra a liberdade da criança, da mesma forma que não foi uma ofensa dar-lhe a vida natural, nem alimentá-la, limpá-la, curá-la, quando ela própria não podia pedir esses bens. Pelo contrário, a criança tem direito a receber essa graça. No Batismo está em jogo um bem infinitamente maior do que qualquer outro: a graça e a fé; talvez a salvação eterna. Só por ignorância e por uma fé adormecida se pode explicar que muitas crianças sejam privadas pelos seus próprios pais, já cristãos, do maior dom da sua vida.
A nossa oração dirige-se hoje a Deus, para que não permita que isso aconteça. Que bom apostolado podemos e devemos fazer, em tantos casos, com amigos, colegas, conhecidos…
(1) Santo Agostinho, Sermão 51, 33; (2) Mt 28, 18-19; (3) Santo Irineu, Tratado contra as heresias, 3, 17; (4) Columba Marmion, Le Christ, vie de l’âme, Abbaye de Maredsous, 1933, págs. 186 e 203-204; (5) Paulo VI, Credo do povo de Deus, Roma, 1967, 16; (6) cfr. 1 Cor 6, 11; Jo 3, 3-6; (7) São Leão Magno, Homilia de Natal, 3; (8) Coleta da Missa do domingo depois da Epifania; (9) Jo 3, 3-6; (10) cfr. 1 Jo 3, 1-9; (11) cfr. Rom 8, 14-17; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 274; (13) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 9; (14) cfr. ibid., 14; Decreto Ad Gentes, 7; (15) cfr. ibid., 11 e 42; (16) A. del Portillo, Escritos sobre o sacerdócio, 5ª ed., Palabra, Madrid, 1979, pág. 111; (17)Dz, 852; (18) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução, 20-X-1980; cfr. Código de Direito Canônico, c. 867.
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