Epifania do Senhor
A solenidade da Epifania, também chamada na antigüidade Teofania ou Festa da iluminação, nasceu nos primeiros séculos do cristianismo, no Oriente, e chegou a ser universal já no século IV. Desde as suas origens foi celebrada no dia 6 de janeiro. No Brasil, comemora-se no domingo depois de 6 de janeiro.
I. VIMOS A SUA ESTRELA no Oriente e viemos com presentes adorar o Senhor1.
A luz de Belém brilha para todos os homens e o seu fulgor pode ser visto em toda a terra. Recém-nascido, Jesus “começou a comunicar a sua luz e as suas riquezas ao mundo, atraindo com a sua estrela homens de tão longes terras”2. Epifania significa precisamente manifestação. Nesta festa – uma das mais antigas –, celebramos a universalidade da Redenção. Os habitantes de Jerusalém que neste dia viram os Magos chegarem pela rota do Oriente, bem poderiam ter entendido o anúncio do profeta Isaías que lemos hoje na primeira Leitura da Missa: Levanta-te, resplandece, Jerusalém, porque chegou a tua luz e a glória do Senhor nasceu sobre ti. Porque eis que as trevas cobrirão a terra, e a escuridão os povos; mas sobre ti nascerá o Senhor, e a sua glória se verá em ti. E as nações caminharão à tua luz, e os reis ao resplendor da tua aurora. Ergue a vista e olha em torno de ti: todos se reúnem e vêm ao teu encontro; os teus filhos chegam de longe…3
Os Magos, em quem se encontram representadas todas as raças e nações, chegaram ao fim da sua longa caminhada. São homens com sede de Deus, que deixaram de lado a comodidade, os bens terrenos e as satisfações pessoais para adorar a Deus. Deixaram-se guiar por um sinal externo, por uma estrela que talvez brilhasse com um fulgor diferente, uma estrela “mais clara e mais brilhante que as outras, e de tal modo, que atraía os olhos e o coração de todos os que a contemplavam, para mostrar que não podia carecer de significado uma coisa tão maravilhosa”4.
Eram homens dedicados ao estudo do firmamento, acostumados a contemplá-lo em busca de sinais. Vimos a sua estrela no Oriente, dizem, e viemos adorá-lo. Talvez houvesse chegado até eles a esperança messiânica dos judeus da Diáspora, mas devemos pensar que foram ao mesmo tempo iluminados por uma graça interior que os fez levantar-se e pôr-se a caminho. Quem os guiou – comenta São Bernardo – também os instruiu; e quem os advertiu externamente, por meio de uma estrela, foi o mesmo que os iluminou no íntimo do coração5.
A festa destes Santos, que corresponderam às graças que o Senhor lhes concedeu, é uma boa oportunidade para que consideremos se realmente a vida é para nós um caminho que se dirige em linha reta para Jesus, e para que examinemos se correspondemos às graças que em cada situação recebemos do Espírito Santo, em especial o imenso dom da vocação cristã.
Olhamos para o Menino Jesus nos braços de Maria e lhe dizemos: “Meu Senhor Jesus: faz que eu sinta e secunde de tal modo a tua graça, que esvazie o meu coração…, para que o preenchas Tu, meu Amigo, meu Irmão, meu Rei, meu Deus, meu Amor!”6
II. ESTES HOMENS SÁBIOS chegaram a Jerusalém; talvez pensassem que era o final da viagem, mas na grande cidade não encontraram o rei dos judeus que acaba de nascer. Talvez se tivessem dirigido diretamente ao palácio de Herodes, e era humanamente o mais lógico, pois tratava-se de procurar um rei. Mas os caminhos dos homens não são, freqüentemente, os caminhos de Deus. Indagam, empregam os meios ao seu alcance: Onde está?, perguntam. E Deus, quando queremos encontrá-lo de verdade, vem em nossa ajuda, indica-nos o caminho, por vezes servindo-se de meios que poderiam parecer-nos menos aptos.
“Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? (Mt II, 2).
“Instado por essa pergunta, eu também contemplo agora Jesus reclinado numa manjedoura (Lc II, 12), num lugar próprio para animais. Onde está, Senhor, a tua realeza: o diadema, a espada, o cetro? Pertencem-lhe, e Ele não os quer; reina envolto em panos. É um Rei inerme, que se apresenta indefeso; é uma criança […].
“Onde está o Rei? Não será que Jesus deseja reinar antes de tudo no coração, no teu coração? Foi por isso que se fez Menino, porque quem há que não ame uma criança? Onde está o Rei? Onde está o Cristo que o Espírito Santo procura formar em nossa alma?”7
E nós, que, como os Magos, nos pusemos a caminho muitas vezes em busca de Cristo, ao perguntarmo-nos onde está, percebemos que Ele “não pode estar na soberba, que nos separa de Deus; não pode estar na falta de caridade, que nos isola. Aí não pode estar Cristo; aí o homem fica só”8.
Temos que encontrar os verdadeiros sinais que levam ao Menino-Deus. Nesses homens que foram chamados a adorar a Deus, reconhecemos a humanidade: a do passado, a dos nossos dias e a que virá. Nesses Magos reconhecemo-nos a nós mesmos, que caminhamos para Cristo através dos nossos afazeres familiares, sociais e profissionais, da fidelidade ao pequeno dever de cada momento…
São Boaventura comenta que a estrela que nos guia é tríplice: primeiro, a Sagrada Escritura, que devemos conhecer muito bem; depois, uma estrela que está sempre no alto para que a divisemos e encontremos a direção certa, que é Maria, nossa Mãe; e uma estrela interior, pessoal, que são as graças do Espírito Santo9. Com essas ajudas encontraremos em todos os momentos o caminho que conduz a Belém.
Foi o Senhor quem colocou nos nossos corações o desejo de procurá-lo: Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi a vós10. A sua chamada contínua é a que nos faz encontrá-lo no Santo Evangelho, na oração, nos sacramentos, no recurso filial a Santa Maria e de modo muito especial na Sagrada Eucaristia, onde sempre nos espera. A nossa Mãe do Céu anima-nos a apressar o passo, porque o seu Filho nos espera.
Dentro de algum tempo, talvez não muito, a estrela que fomos seguindo ao longo desta vida terrena brilhará perpetuamente sobre as nossas cabeças; e voltaremos a encontrar Jesus, agora sentado num trono, à direita de Deus Pai e envolto na plenitude do seu poder e glória, e, muito perto, sua Mãe. Então terá chegado para nós a perfeita epifania, a radiante manifestação do Filho de Deus.
III. A SOLENIDADE DA EPIFANIA anima-nos a renovar o espírito apostólico que o Senhor semeou no nosso coração. Esta festa foi considerada desde o princípio como a primeira manifestação de Cristo a todos os povos. “Com o nascimento de Jesus, acendeu-se uma estrela luminosa; caravanas de povos põem-se em marcha (cfr. Is 60, 1 e segs.); abrem-se novos caminhos sobre a terra; caminhos que chegam e, do mesmo modo, caminhos que partem. Cristo é o centro. Mais ainda, Cristo é o coração: começou uma nova circulação que nunca mais terminará. Está destinada a constituir um programa, uma necessidade, uma urgência, um esforço contínuo, que tem a sua razão de ser no fato de Cristo ser o Salvador. Cristo é necessário […]. Cristo quer ser anunciado, pregado, difundido”11. A festa de hoje recorda-nos que temos de levar Cristo conosco e dá-lo a conhecer a toda a sociedade, por meio do exemplo e da palavra: na família, nos hospitais, na Universidade, no lugar onde trabalhamos…
Levanta a vista e olha em torno de ti; os teus filhos chegam de longe… De longe, isto é, de todos os lugares e de todas as situações em que se possam encontrar, por muito distantes de Deus que pareçam estar. No nosso coração ressoa o convite que um dia o Senhor fará aos que o seguem: Ide, pois, e ensinai a todos os povos…12 Não importa que os nossos familiares, amigos ou companheiros se encontrem longe. A graça de Deus é mais poderosa e, com a sua ajuda, podemos conseguir que se unam a nós para adorar Jesus.
Não nos aproximemos hoje de Jesus de mãos vazias. Ele não precisa dos nossos dons, pois é Dono de tudo o que existe, mas pede-nos um coração generoso, para que assim se dilate e possa receber mais graças e bens. Hoje pomos à sua disposição o ouro puro da caridade: ao menos o desejo de amá-lo mais e de tratar melhor a todos; o incenso das orações e das boas obras convertidas em oração; a mirra dos nossos sacrifícios que, unidos ao Sacrifício da Cruz, nos convertem em corredentores com Ele.
E, à hora de pedirmos alguma coisa aos Reis Magos – porque são santos e podem, portanto, interceder por nós no Céu –, não lhes pediremos ouro, incenso e mirra, mas que nos ensinem o caminho que leva a Jesus, e forças e humildade para não desfalecermos neste propósito de vida, que é o que mais importa.
Eles, tendo ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando sobre o lugar onde estava o menino, parou. Vendo novamente a estrela, ficaram possuídos de grandíssima alegria13. É a alegria incomparável de encontrarmos a Deus, Aquele a quem tínhamos procurado por todos os meios, com todas as forças da nossa alma.
E encontramo-lo nos braços da sua Mãe: E, entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se, o adoraram14.
(1) cfr. Mt 2, 2; Antífona da comunhão da Missa da Solenidade da Epifania do Senhor; (2) Frei Luís de Granada, Vida de Jesus Cristo, Rialp, Madrid, 1975, pág. 54; (3) Is 60, 1-6; (4) São Leão Magno, Homilias sobre a Epifania, I, 1; (5) cfr. São Bernardo, Na Epifania do Senhor, I, 5; (6) Josemaría Escrivá, Forja, n. 913; (7) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, 3ª ed., Quadrante, São Paulo, 1976, n. 31; (8) ib.; (9) cfr. São Boaventura, Na Epifania do Senhor; (10) Jo 15, 16; (11) Paulo VI, Homilia, 6-I-1973; (12) Mt 28, 19; (13) Mt 2, 9-10; (14) Mt 2, 11.
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