A esmola em baixa?
Este ano, fui convidado a falar para um grupo de sacerdotes sobre a espiritualidade da Quaresma. Entre os ouvintes, havia também alguns leigos e duas religiosas. O auditório esteve sempre atento e me fez excelente acolhida.
Naturalmente, ao desenvolver o tema, não podia deixar de fazer referência aos três tópicos que a liturgia católica põe em evidência nessa fase do ano litúrgico: a oração, o jejum e a esmola.
Ao final, deixada livre a palavra, um dos presentes observou que, nos últimos tempos, temos sido aconselhados a não dar esmolas. Um dos motivos seria a existência de vagabundos que vivem de esmola simplesmente por aversão ao trabalho.
Lembrei-me, então, dos anos 70, em Volta Redonda, quando o CDL – Clube dos Diretores Lojistas fez uma campanha no mesmo sentido, com o objetivo de livrar o centro comercial da presença de mendigos que, segundo a entidade, “atrapalhavam o comércio”.
Ou seja, não é bem uma novidade a aversão pela esmola na sociedade de produção e consumo. Afinal, dar dinheiro chega a ser um ato de impiedade, quando o deus Mamon, nosso ídolo de plantão, é adorado incondicionalmente por essa multidão de fiéis pagãos, desde a Bolsa de Valores até o Fundo Monetário Internacional… Dinheiro não se dá, conquista-se pelo trabalho e acumula-se, posto a render.
Não é bem esta a mentalidade cristã. Francisco de Assis abriu mão do dinheiro do pai para identificar-se com os mais pobres e viver de esmolas. Dom Bosco saiu pelas ruas, adotando os pivetes de Turim, para dar-lhes educação religiosa e formação profissional. E, para mantê-los, Dom Bosco esmolava, esvaziando a bolsa dos príncipes e dos condes. O Santo chegou a chamar Nossa Senhora Auxiliadora de “esmoler”, pois através dela é que vinham as doações.
Dom Bosco, cuja biografia, com quase 1.500 páginas, acabo de traduzir do italiano, dizia aos primeiros Salesianos: “Não tenham vergonha de pedir esmolas. Os ricos precisam disso. Pode ser a última oportunidade de salvação para eles”. De fato, como um ato de misericórdia, a esmola nos abre para o amor de Deus, libertando-nos da escravidão aos bens materiais. O Apóstolo chega a dizer que a caridade “perdoa uma multidão de pecados” (cf. 1Pd 4,8).
Meditando sobre o assunto, vejo que a recusa da esmola está associada a uma baixa no sentimento da misericórdia. O pobre deixa de ser o objeto de nosso amor para tornar-se o alvo de nosso incômodo.
Vale recorrer à etimologia das palavras? “Esmola” nos veio do latim eleemosyna, que importou o termo do grego eleemosyne. Este substantivo está ligado ao verbo eleein, no sentido de “ter compaixão”, ou melhor, “com palavras, excitar a compaixão de quem ouve”. É por isso que, no antigo ato penitencial, nós rezávamos “Kyrie, eleison”, na condição de mendigos que estendem a mão vazia para Deus, à espera de sua compaixão e, simultaneamente, do seu perdão.
Ora, se precisamos da misericórdia divina, por que não exercitar a misericórdia humana? Será que não se lembram da lição do Mestre, que se identifica com os que têm fome e sede? “Eu tive fome e me destes de comer…” (Mt 25,35.)
Peço licença para revelar uma antipatia: não gosto daquela oração do dizimista que diz para Deus: “não é esmola, pois não precisais dela”. Primeiro, somos nós que precisamos da esmola, como gesto de libertação. Segundo, vejo nosso Deus como autêntico esmoler: a mão estendida, à espera de nosso amor, nossa piedade, nossa obediência. Um Deus faminto que não se cansa de comparecer ao nosso portão: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, eu entrarei em sua casa e cearemos juntos, eu com ele e ele comigo”. (Ap 3,20.)
No fundo, eu entendo: é muito chato um Deus que dá prejuízo… Mas não posso calar que Jesus de Nazaré elogiou as duas moedinhas que a viúva pobre deu de esmola. Claro que ele não olhou para as moedas… olhou para o coração…
Antônio Carlos Santini
Revista “O Lutador”
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