A caminho do Calvário | Semana Santa – 4ª feira
DEPOIS DE UMA NOITE de dor, de escárnios e de desprezo, Jesus, debilitado pelo terrível tormento da flagelação, é conduzido para ser crucificado. Libertou-lhes então Barrabás; e a Jesus, depois de tê-lo mandado açoitar, entregou-o às mãos deles para que fosse crucificado1, diz sobriamente o Evangelho de São Mateus. Jesus é condenado a sofrer uma morte reservada aos criminosos.
Mal iniciada a caminhada, todos percebem que o Senhor está muito fraco para levar a cruz sobre os seus ombros até o Calvário. Um homem, Simão de Cirene, que voltava para casa, é forçado a carregá-la. Onde estão os seus discípulos? Jesus falara-lhes de carregar a cruz2, e todos eles tinham afirmado solenemente que estavam dispostos a segui-lo até à morte3. Agora, não encontra um único que o ajude sequer a carregar o lenho da cruz até o lugar da execução. Terá de fazê-lo um estranho, e obrigado à força. Em torno do Senhor não há rostos amigos e ninguém quis comprometer-se. Até os que tinham recebido de suas mãos benefícios e curas querem agora passar despercebidos. Cumpriu-se ao pé da letra o que Isaías profetizara muitos séculos antes: Pisei sozinho o lagar, sem que ninguém dentre a multidão me ajudasse… Olhei, e não houve pessoa alguma que me auxiliasse; espantei-me de que ninguém viesse amparar-me4. Simão segurou a cruz pela extremidade e colocou-a sobre os seus ombros. A outra, a mais pesada, a do amor não correspondido, a dos pecados de cada homem, essa, Cristo a levou sozinho.
Neste desamparo em que o Senhor se encontrava, segundo nos foi transmitido pela tradição, houve uma exceção: uma mulher – conhecida pelo nome de Verônica – aproximou-se de Jesus com um pano para limpar-lhe o rosto, e o rosto do Senhor ficou impresso no tecido. “O véu da Verônica é o símbolo do comovedor diálogo entre Cristo e a alma reparadora. Verônica correspondeu ao amor de Cristo com a sua reparação; uma reparação admirável, porque veio de uma débil mulher que não temeu as iras dos inimigos de Cristo […]. Imprime-se na minha alma […] o rosto de Jesus, como no véu da Verônica?”5
O Senhor retoma a marcha, um pouco mais aliviado fisicamente. Mas o caminho é sinuoso e o chão irregular. As suas energias diminuem cada vez mais, e não é de estranhar que caia. Cai, e mal consegue levantar-se. Poucos metros adiante, torna a cair. Uma, duas, três vezes. Ao levantar-se, quer dizer-nos quanto nos ama; ao cair, quer manifestar a grande necessidade que sente de que o amemos.
“Não é tarde, nem tudo está perdido… Ainda que assim te pareça. Ainda que o repitam mil vozes agoureiras. Ainda que te assediem olhares trocistas e incrédulos… Chegaste num bom momento para carregar a Cruz: a Redenção está-se fazendo – agora! –, e Jesus necessita de muitos cireneus”6.
II. EM OUTRO MOMENTO dessa caminhada até o Calvário, Jesus passa por um grupo de mulheres que choram por Ele. Consola-as e faz uma “chamada ao arrependimento, ao verdadeiro arrependimento, ao pesar sincero pelo mal cometido. Jesus diz às filhas de Jerusalém que choram ao vê-lo: Não choreis por mim; chorai antes por vós e pelos vossos filhos (Lc 23, 28). Não podemos ficar na superfície do mal, temos que chegar à sua raiz, às causas, à mais profunda verdade da consciência […]. Senhor, que eu saiba viver e andar na verdade!”7
Para tornar a sua morte mais humilhante, fazem parte do cortejo dois ladrões que ladeiam Jesus. Um espectador recém-chegado, que não soubesse de nada, veria três homens a caminho da morte, cada um carregando a sua cruz. Mas apenas um deles é o Salvador do mundo, e uma só a Cruz redentora. Hoje também se pode carregar a cruz de diferentes maneiras.
Há uma cruz que se carrega com raiva, contra a qual o homem se revolta cheio de ódio ou, ao menos, de um profundo mal-estar; é uma cruz sem sentido e sem explicação, inútil, que chega até a afastar de Deus. É a cruz dos que neste mundo só procuram a comodidade e o bem-estar material, dos que não suportam nem a dor nem o fracasso, porque não querem compreender o sentido sobrenatural do sofrimento.É uma cruz que não redime: é a que carrega um dos ladrões.
Vai também a caminho do Calvário uma segunda cruz, esta conduzida com resignação, talvez até com dignidade humana, que é aceita porque não há modo algum de evitá-la. Assim a carrega o outro ladrão, até que pouco a pouco percebe a seu lado a figura soberana de Cristo, que mudará completamente os últimos instantes da sua vida aqui na terra, como também a eternidade, e o converterá no bom ladrão.
Há por fim um terceiro modo de carregá-la: é o de Jesus, que se abraça à Cruz salvadora e nos ensina como devemos carregar a nossa – com amor, corredimindo com Ele todas as almas, reparando pelos pecados próprios. O Senhor deu um sentido profundo à dor. Podendo redimir-nos de muitas maneiras, fê-lo através do sofrimento, porque ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos8.
As pessoas santas descobriram que, quando já não se vê a cruz em si, mas aos ombros de Jesus que passa e vem ao nosso encontro, a dor, o sofrimento e a contrariedade deixam de ser algo de sinal negativo. Simão de Cirene conheceu Jesus através da Cruz. O Senhor recompensá-lo-á pela ajuda que lhe prestou dando a fé aos seus dois filhos, Alexandre e Rufo9, que em breve seriam cristãos muitos conhecidos na primitiva comunidade. E nada nos impede de pensar que Simão de Cirene viria também a ser mais tarde um discípulo fiel.
“Tudo começou por um encontro inopinado com a Cruz. Apresentei-me aos que não perguntavam por mim, acharam-me os que não me procuravam (Is 65, 1). Às vezes, a Cruz aparece sem a procurarmos: é Cristo que pergunta por nós. E se por acaso, perante essa Cruz inesperada, e talvez por isso mais escura, o coração manifesta repugnância…, não lhe dês consolos. E, cheio de uma nobre compaixão, quando os pedir, segreda-lhe devagar, como em confidência: «Coração: coração na Cruz, coração na Cruz»”10.
A meditação de hoje é uma boa oportunidade para nos perguntarmos como encaramos as contrariedades e a dor, se elas nos aproximam de Cristo, se nos ajudam a expiar as nossas culpas, se nos levam a corredimir com Ele.
III. “O SALVADOR CAMINHAVA com o corpo vergado sob o peso da Cruz, os olhos inchados e obnubilados pelas lágrimas e pelo sangue, o andar lento e difícil pela debilidade; seus joelhos tremiam, e Ele quase que se arrastava atrás dos seus dois companheiros de suplício. E os judeus riam, e os verdugos e os soldados o empurravam”11.
No quarto mistério doloroso do Rosário contemplamos Jesus com a Cruz às costas a caminho do Calvário. “Estamos tristes, vivendo a Paixão de Jesus, Nosso Senhor. – Olha com que amor se abraça à Cruz. – Aprende com Ele. – Jesus leva a Cruz por ti; tu… leva-a por Jesus.
“Mas não leves a Cruz de rastos… Leva-a erguida a prumo, porque a tua Cruz, levada assim, não será uma Cruz qualquer: será… a Santa Cruz […].
“E, com toda a certeza, tal como Ele, encontrarás Maria no caminho”12.
Num dos passos da Via Sacra, consideramos o encontro entre Jesus e sua Mãe numa daquelas ruas estreitas. Jesus deteve-se um instante. “Com imenso amor, Maria olha para Jesus, e Jesus olha para sua Mãe; e os olhos de ambos se encontram, e cada coração derrama no outro a sua própria dor. A alma de Maria fica submersa em amargura, na amargura de Jesus Cristo.
“Ó vos que passais pelo caminho, olhai e vede se há dor como a minha dor! (Lam 1, 12).
“Mas ninguém percebe, ninguém repara; só Jesus […].
“Na obscura soledade da Paixão, Nossa Senhora oferece a seu Filho um bálsamo de ternura, de união, de fidelidade; um sim à Vontade divina”13.
O Senhor continua o seu caminho e Maria acompanha-o a poucos metros de distância, até o Calvário. A profecia de Simeão cumpre-se ao pé da letra.
“Que homem não choraria ao ver a Mãe de Cristo em tão atroz suplício?
“Seu Filho ferido… E nós longe, covardes, resistindo à Vontade divina.
“Minha Mãe e Senhora, ensina-me a pronunciar um sim que, como o teu, se identifique com o clamor de Jesus perante seu Pai: Non mea voluntas… (Lc 22, 42): Não se faça a minha vontade, mas a de Deus”14.
Quando a dor e a aflição nos atingirem, quando se tornarem mais penetrantes, recorramos a Santa Maria, Mater dolorosa, para que nos faça fortes e para que aprendamos a santificá-las com paz e serenidade.
(1) Mt 27, 26; (2) Mt 16, 24; (3) Mt 26, 35; (4) Is 63, 3 e 5; (5) J. Ablewicz, Seréis mis testigos, Vía Crucis, VIª est., Madrid, 1983, págs. 334-335; (6) Josemaría Escrivá, Via Sacra, Vª est., n. 2; (7) K. Wojtyla, Signo de contradicción, Vía Crucis, VIIIª est., Madrid, 1978, págs. 244-245; (8) cfr. Jo 15, 13; (9) cfr. Mc 15, 21; (10) Josemaría Escrivá, op. cit., Vª est.; (11) L. de la Palma, La Pasión del Señor, pág. 168; (12) Josemaría Escrivá, Santo Rosário, IVº mist. doloroso; (13) Josemaría Escrivá, Via Sacra, IVª est.; (14) ib., IVª est., n. 1.
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