6º Domingo do tempo comum
Sede para mim a rocha do meu refúgio, uma fortaleza bem armada para me salvar…, rezamos na Antífona de entrada da Missa1. O Senhor é o baluarte que nos protege no meio de tanta fraqueza que encontramos em nós e à nossa volta. Ele é o ponto de apoio firme a cada momento, em qualquer idade e em qualquer circunstância.
Na primeira Leitura, diz o profeta Jeremias: Bendito o homem que deposita a sua confiança no Senhor e cuja esperança é o Senhor. Assemelha-se à árvore plantada à beira da água, que estende as raízes para a corrente. Quando chegar o calor, não o sentirá, e a sua folhagem continuará verdejante. E em ano de seca, não se inquietará; continuará a dar fruto2. Pelo contrário, é maldito o homem que confia em outro homem, que faz da carne o seu apoio e cujo coração vive distante do Senhor. A sua vida será estéril como o cardo da charneca.
Sede para mim a rocha do meu refúgio, Senhor: a humildade pessoal e a confiança em Deus caminham sempre juntas. Só o humilde procura a sua felicidade e a sua fortaleza no Senhor. Um dos motivos pelos quais os soberbos andam à cata de louvores e se sentem feridos por qualquer coisa que possa rebaixá-los na sua própria estima ou na dos outros, é a falta de firmeza interior; o seu único ponto de apoio e de esperança são eles próprios.
Não é outra a razão por que, com muita freqüência, se mostram tão sensíveis à menor crítica, tão insistentes em sair-se com a sua, tão desejosos de ser conhecidos, tão ávidos de consideração. Agarram-se a si próprios como o náufrago se agarra a uma pequena tábua que não pode mantê-lo à superfície. E seja o que for que tenham conseguido na vida, sempre estão inseguros, insatisfeitos, sem paz. Um homem assim, sem humildade, que não confia nesse Deus que, como Pai que é, lhe estende continuamente os braços, habitará na aridez do deserto, terra salobra e inóspita, como nos diz a liturgia da Missa de hoje.
O cristão tem toda a sua esperança posta em Deus e, porque conhece e aceita a sua fraqueza, não se fia muito de si próprio. Sabe que em qualquer tarefa ou empreendimento deverá mobilizar todos os meios humanos ao seu alcance, mas também sabe que antes de mais nada deve contar com a oração; reconhece e aceita com alegria que tudo o que possui foi recebido de Deus.
A humildade não consiste tanto no desprezo próprio – porque Deus não nos despreza, somos obra saída das suas mãos –, mas no esquecimento de nós mesmos e na abertura total para Deus: “Quando pensamos que tudo se afunda sob os nossos olhos, nada se afunda, porque Tu és, Senhor, a minha fortaleza (Sl 42, 2). Se Deus mora na nossa alma, tudo o resto, por mais importante que pareça, é acidental, transitório. Em contrapartida, nós, em Deus, somos o permanente”3.
II. OS MAIORES OBSTÁCULOS que o homem encontra para caminhar em seguimento de Cristo têm a sua origem no amor desordenado de si próprio, que o leva umas vezes a supervalorizar as suas forças e, outras, a cair no desânimo e no desalento. É uma atitude permanente de monólogo interior, em que os interesses próprios se agigantam ou se exorbitam e o eu sai sempre enaltecido.
A forma mais vil de enaltecer-se é desacreditar o próximo. Os orgulhosos não gostam de ouvir louvores aos outros e estão sempre ansiosos por descobrir deficiências naqueles que sobressaem neste ou naquele aspecto. Talvez a sua principal característica esteja em que não podem sofrer a menor comparação, contradição ou correção que pareça inferiorizá-los aos olhos dos outros4.
Quem está repleto de orgulho exagera as suas qualidades, enquanto fecha os olhos para não ver os seus defeitos, e acaba por considerar como uma grande qualidade o que na realidade é um desvio do bom critério; persuade-se, por exemplo, de que tem um espírito magnânimo e generoso porque faz pouco caso das pequenas obrigações de cada dia, esquecendo que, para ser fiel no muito, tem de sê-lo no pouco. E por esse caminho chega a julgar-se superior, rebaixando injustamente as qualidades de outros que o superam em muitas virtudes5.
São Bernardo indica diferentes manifestações progressivas da soberba6: a curiosidade, o querer saber tudo de todos; a frivolidade de espírito, por falta de profundidade na oração e na vida; a alegria tola e deslocada, que se alimenta freqüentemente dos defeitos dos outros e os ridiculariza; a jactância; o prurido de singularidade; a arrogância; a presunção; o não reconhecer jamais as falhas próprias, ainda que sejam notórias; a relutância em abrir a alma ao sacerdote na Confissão, por parecer que não se têm faltas… O soberbo é pouco amigo de conhecer a autêntica realidade do seu coração e muito amigo de calcar os outros aos pés, seja em pensamento, seja pelas suas atitudes externas.
Examinemos agora nestes minutos de recolhimento interior se amamos com predileção a virtude da humildade, se a pedimos ao Senhor com freqüência, se nos sentimos constantemente necessitados da ajuda do nosso Pai-Deus. Ó Deus – dizemos com o Salmista –, vós sois o meu Deus, eu Vos procuro com ardor. A minha alma está sedenta de Vós e a minha carne por Vós anela, como a terra árida e sequiosa, sem água7. Se formos homens de oração, cresceremos em conhecimento próprio e não teremos nenhuma vontade de comparar-nos com os outros e menos ainda de julgá-los: “Se és tão miserável, como estranhas que os outros tenham misérias?”8
III. JUNTAMENTE COM A ORAÇÃO, que é sempre o primeiro meio de que devemos socorrer-nos, procuremos ocasiões de praticar habitualmente a virtude da humildade: nos nossos afazeres, na vida familiar, quando estamos sozinhos…, sempre.
Procuremos não estar excessivamente preocupados com as nossas coisas pessoais: com a saúde, com o descanso, com o êxito profissional, econômico…
Procuremos, na medida do possível, falar pouco de nós mesmos, dos nossos assuntos, daquilo que nos exaltaria aos olhos dos outros…; procuremos evitar sempre a ostentação de qualidades, bens materiais, conhecimentos…
Aceitemos as contrariedades sem impaciência, sem mau-humor, oferecendo-as com alegria ao Senhor; aceitemos sobretudo as pequenas humilhações e injustiças que se produzem na vida diária, pensando sinceramente: “Que é isso para o que eu mereço?”9
Cuidemos de não insistir nas nossas opiniões, a não ser que a verdade ou a justiça o exijam, e empreguemos então a moderação unida à firmeza.
Passemos por alto os erros alheios, desculpando-os e ajudando-os com uma caridade delicada a superá-los; cedamos à vontade dos outros sempre que não esteja envolvido o dever ou a caridade.
Aceitemos ser menosprezados, esquecidos, não consultados nesta ou naquela matéria em que nos consideramos mais experientes ou com mais conhecimentos; fujamos de ser admirados ou estimados, retificando a intenção perante os louvores e elogios. Devemos procurar alcançar o maior prestígio profissional possível, mas por Deus, não por orgulho nem para sobrepujar os outros.
Esforcemo-nos, enfim, por gloriar-nos das nossas fraquezas junto do Sacrário, aonde iremos pedir ao Senhor que nos dê a sua graça e não nos abandone; reconhecendo uma vez mais que não há nada de bom em nós que não venha dEle, e que o nosso eu é precisamente o obstáculo, o que tolhe a ação do Espírito Santo na nossa alma.
Aprenderemos a ser humildes se nos relacionarmos sempre mais intimamente com Jesus. A meditação freqüente da Paixão levar-nos-á a contemplar a figura de Cristo humilhado e maltratado até o extremo por nós; acender-se-á então o nosso amor por Ele e um desejo vivo de imitá-lo no seu aniquilamento.
O exemplo da nossa Mãe Santa Maria, Ancilla Domini, Escrava do Senhor, incitar-nos-á a amar a virtude da humildade. Recorremos a Ela ao terminarmos a nossa oração, pois Ela “é, ao mesmo tempo, uma mãe de misericórdia e de ternura, a quem pessoa alguma jamais recorreu em vão. Abandona-te cheio de confiança no seu seio materno; pede-lhe que te alcance esta virtude que Ela tanto apreciou; não tenhas medo de não ser atendido: Maria a pedirá para ti a esse Deus que eleva os humildes e reduz ao nada os soberbos; e como Maria é onipotente junto do seu Filho, será ouvida com toda a certeza”10.
(1) Sl 30, 3; Antífona de entrada da Missa do sexto domingo do TC, ciclo C; (2) Jer 17, 7-8; (3) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 92; (4) cfr. E. Boylan, Amor sublime; (5) cfr. R. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. I, pág. 442; (6) São Bernardo, Sobre os graus da humildade, 10; (7) Sl 63, 2; (8) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 446; (9) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 690; (10) J. Pecci-Leão XIII, Prática da humildade, págs. 85-86.
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