Existência e ação do demônio – 2º feira|1º Semana da Quaresma
O demônio transportou-o de novo a um monte alto… Então Jesus respondeu-lhe: Afasta-te, Satanás…, líamos no Evangelho da Missa de ontem1.
O demônio existe. A Sagrada Escritura fala dele desde o primeiro até o último dos livros revelados: do Gênesis ao Apocalipse. Na parábola do trigo e do joio, o Senhor afirma que a má semente, cuja finalidade é sufocar o trigo, foi lançada pelo inimigo2. Na parábola do semeador, vem o Maligno e arranca o que se tinha semeado3.
Alguns, inclinados a um otimismo superficial, pensam que o mal é meramente uma imperfeição incidental num mundo em contínua evolução a caminho de dias melhores. Não obstante, a história do homem sofre a influência do demônio. Podemos ver nos nossos dias manifestações de uma intensa malícia que não se explica unicamente pela ação do homem. O demônio, de formas muito diversas, causa estragos na humanidade. Não há dúvida de que “através de toda a história humana, existe uma dura batalha contra o poder das trevas, e essa batalha, iniciada nas origens do mundo, durará, como diz o Senhor, até o último dia”4. Pode-se, pois, dizer que o demônio “provoca numerosos danos de natureza espiritual e até, indiretamente, de natureza física, tanto nos indivíduos como na sociedade”5.
A ação do demônio é misteriosa, real e eficaz. Desde os primeiros séculos, os cristãos tiveram consciência dessa atividade diabólica. São Pedro prevenia os primeiros cristãos: Sede sóbrios e vigiai. O vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como leão que ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe fortes na fé6.
Com Jesus Cristo, o poder do demônio reduziu-se consideravelmente, pois Ele “nos libertou do poder de Satanás”7. Graças à obra redentora de Cristo, o demônio só pode causar verdadeiros danos a quem livremente lho permitir, consentindo no mal e afastando-se de Deus.
O Senhor manifesta-se em numerosas passagens do Evangelho como vencedor do demônio, livrando muitos infelizes da possessão diabólica. NEle está posta toda a nossa confiança, pois Ele não permite que sejamos tentados acima das nossas forças8. Portanto, ninguém peca por necessidade. Consideremos com profundidade, nesta Quaresma, o que isso significa.
II. O DEMÔNIO é um ser pessoal, real e concreto, de natureza espiritual e invisível, que, pelo seu pecado, se afastou de Deus para sempre, “porque o diabo e os outros demônios foram criados por Deus naturalmente bons; mas eles, por si mesmos, se tornaram maus”9. Ele é o pai da mentira10, do pecado, da discórdia, da desgraça, do ódio, do absurdo e do mal que há em toda a terra11. É a serpente astuta e invejosa que traz a morte ao mundo12, que semeia o mal no coração do homem13, o único inimigo que devemos temer se não estamos perto de Deus.
Seu único fim no mundo, ao qual não renunciou, é a nossa perdição. E tentará diariamente alcançar esse fim por todos os meios ao seu alcance. “Tudo começou com a rejeição de Deus e do seu reino, com a usurpação dos seus direitos soberanos, na tentiva de alterar a economia da salvação e a própria ordem de toda a criação. Encontramos um reflexo dessa atitude nas palavras do tentador aos nossos primeiros pais: Sereis como deuses. Assim, o espírito maligno trata de transplantar para o homem a atitude de rivalidade, de insubordinação e de oposição a Deus que se converteu no motivo de toda a sua existência”14.
O demônio é o primeiro causador do mal e dos desconcertos e rupturas que se produzem nas famílias e na sociedade. “Suponhamos – diz o Cardeal Newman – que sobre as ruas de uma cidade populosa se abatia de repente uma total escuridão; podem imaginar, sem que eu lhes descreva, o ruído e o clamor que se produziriam. Transeuntes, carruagens, carros, cavalos, todos mergulhariam no caos. Assim é o estado do mundo. O espírito maligno que atua sobre os filhos da incredulidade, o deus deste mundo, como diz São Paulo, cegou os olhos dos que não crêem, e eis que se vêem forçados a brigar e a discutir porque perderam o caminho; e disputam uns com os outros, uns dizendo isto, outros aquilo, porque não enxergam”15.
Nas suas tentações, o demônio utiliza a fraude, já que só pode apresentar bens falsos e uma felicidade fictícia, que se converte sempre em solidão e amargura. Fora de Deus não existem, não podem existir, nem o bem nem a felicidade verdadeira. Fora de Deus só existe escuridão, vazio e a maior das tristezas. Mas o poder do demônio é limitado, e também ele está sob o domínio e a soberania de Deus, que é o único Senhor do universo.
O demônio – como também o anjo – não chega a penetrar na nossa intimidade, se nós não o queremos. “Os espíritos imundos não podem conhecer a natureza dos nossos pensamentos. Só lhes é dado pressenti-los por indícios sensíveis, ou então examinando as nossas disposições, as nossas palavras ou as coisas para as quais percebem que nos inclinamos. É-lhes totalmente inacessível o que não exteriorizamos e permanece oculto nas nossas almas. Mesmo os pensamentos que eles próprios nos sugerem, a acolhida que lhes damos, a reação que provocam em nós, nada disso o conhecem pela própria essência da alma […], mas, quando muito, pelos movimentos e manifestações externas”16.
O demônio não pode violentar a nossa liberdade a fim de incliná-la para o mal. “É um fato certo que o demônio não pode seduzir ninguém, a não ser os que lhe prestam o consentimento da sua vontade”17. O santo Cura d’Ars diz que “o demônio é um grande cão acorrentado que arremete, que faz muito barulho, mas que só morde os que se aproximam dele em demasia”18. No entanto, “nenhum poder humano pode ser comparado ao seu, e somente o poder divino o pode vencer e somente a luz divina pode desmascarar as suas artimanhas. A alma que queira vencer a potência do demônio não o poderá conseguir sem oração, nem poderá entender os seus enganos sem mortificação e sem humildade”19.
III. OS ATOS DOS APÓSTOLOS resumem a vida de Cristo com estas palavras: Ele passou fazendo o bem e curando todos os oprimidos do demônio20. E São João, referindo-se ao motivo da Encarnação, explica: Para isso veio o Filho de Deus, para desfazer as obras do demônio21.
Cristo é o verdadeiro vencedor do demônio: Agora será lançado fora o príncipe deste mundo22, dirá Jesus na Última Ceia, poucas horas antes da Paixão. Deus “decide entrar na história humana de um modo novo e definitivo, enviando o seu Filho, na nossa carne, a fim de por Ele arrancar os homens do poder das trevas e de Satanás”23.
Não obstante, o demônio continua a deter certo poder sobre o mundo, na medida em que os homens rejeitam os frutos da Redenção. Exerce o seu domínio sobre aqueles que, de uma forma ou de outra, se entregam voluntariamente a ele, preferindo o reino das trevas ao reino da graça24. Por isso não nos devemos surpreender se tantas vezes vemos triunfar o mal e ser lesada a justiça.
Deve dar-nos uma grande confiança saber que o Senhor nos deixou muitos meios para vencer e para viver no mundo com a paz e a alegria de um bom cristão. Entre esses meios contam-se a oração, a mortificação, a freqüente recepção da Sagrada Eucaristia e a Confissão, bem como o amor à Virgem Maria. Com Nossa Senhora caminhamos sempre seguros.
O uso da água benta é também uma proteção eficaz contra a ação do demônio. “Perguntas-me por que te recomendo sempre, com tanto empenho, o uso diário da água benta. – Podia dar-te muitas razões. Bastará, com certeza, esta da Santa de Ávila: «De nenhuma coisa fogem tanto os demônios, para não voltar, como da água benta»”25.
João Paulo II exorta-nos a rezar com plena consciência as palavras que dizemos no último pedido do Pai Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, do Maligno. Fazei, ó Senhor, que não cedamos ante a infidelidade a que nos induz aquele que foi infiel desde o começo”26. O nosso esforço por viver melhor nestes dias da Quaresma a fidelidade àquilo que sabemos que Deus nos pede é a melhor manifestação de que, ao non serviam – não servirei – do demônio, queremos opor o nosso serviam pessoal: Eu te servirei, Senhor.
(1) Cfr. Mt 4, 8-11; (2) Mt 13, 25; (3) Mt 13, 19; (4) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 37; (5) João Paulo II, Audiência geral, 20-VIII-1986; (6) 1 Pe 5, 8; (7) Conc. Vat. II, Const. Sacrossanctum Concilium, 6; (8) cfr. 1 Cor 10, 13; (9) Conc. Lat. IV, 1215; Dz 800 (428); (10) Jo 8, 44; (11) cfr. Hebr 2, 14; (12) cfr. Sab 2, 24; (13) cfr. Mt 13, 28-39; (14) João Paulo II, Audiência geral, 13-VIII-1986; (15) Card. J. H. Newman, Sermão para o Domingo II da Quaresma. Mundo e pecado; (16) Cassiano, Colationes, 7; (17) ib.; (18) Cura d’Ars, Sermão sobre as tentações; (19) São João da Cruz, Cântico espiritual, 3, 9; (20) At 10, 39; (21) 1 Jo 3, 8; (22) Jo 12, 31; (23) Conc. Vat. II, Decr. Ad gentes, 3; (24) cfr. João Paulo II, op. cit.; (25) Josemaría Escrivá,Caminho, n. 572; (26) João Paulo II, op. cit.
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