Luta paciente contra os defeitos | 4ª semana da Quaresma – 3ª feira
O Evangelho da Missa de hoje apresenta-nos um homem que estava doente havia trinta e oito anos, e que esperava a sua cura milagrosa das águas da piscina de Betesda1.Jesus, vendo-o deitado e sabendo que já havia muito tempo que estava enfermo, perguntou-lhe: Queres ficar curado?
O enfermo falou-lhe com toda a simplicidade: Senhor, não tenho ninguém que me meta no tanque, quando a água é agitada; enquanto vou, já outro desceu antes de mim. Ordenou-lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. O paralítico obedeceu: E no mesmo instante aquele homem ficou curado, tomou o seu leito e começou a andar.
O Senhor está sempre disposto a escutar-nos e a dar-nos em cada situação aquilo de que precisamos. A sua bondade supera sempre os nossos cálculos; mas quer a nossa correspondência pessoal, o nosso desejo de sair da situação em que nos encontramos, que não pactuemos com os nossos defeitos ou erros e que nos esforcemos por superá-los. Não podemos “conformar-nos” nunca com deficiências e fraquezas que nos separam de Deus e dos outros, dizendo que fazem parte da nossa maneira de ser, que já tentamos combatê-los outras vezes e não tivemos resultados positivos…
Cristo pede-nos perseverança para lutar e recomeçar quantas vezes for necessário, sabendo que é nessa luta que está o amor. “O Senhor não pergunta ao paralítico para saber – era supérfluo –, mas para mostrar a paciência daquele homem que, durante trinta e oito anos, sem se deixar abater, insistiu, esperando ver-se livre da sua doença”2.
O nosso amor a Cristo manifesta-se na decisão e no esforço por arrancar quanto antes o defeito dominante ou por alcançar determinada virtude difícil de conseguir. Mas também se manifesta na paciência com que devemos lutar interiormente: é possível que o Senhor nos peça um longo período de luta, talvez trinta e oito anos, para crescer em determinada virtude ou para superar certo aspecto negativo da nossa vida interior.
Um conhecido autor espiritual indica a importância de sabermos ter paciência com os nossos defeitos; diz ele que devemos cultivar a arte de aproveitar as nossas faltas3. Não podemos surpreender-nos se, tendo lançado mão de todos os meios que estão razoavelmente ao nosso alcance, não acabamos de atingir determinada meta espiritual que nos tínhamos proposto. Não devemos “acostumar-nos” às nossas faltas, mas podemos aproveitá-las para crescer em verdadeira humildade, em experiência, em maturidade de juízo…
Este homem que o Evangelho da Missa nos apresenta foi perseverante durante trinta e oito anos, e não nos custa admitir que continuaria a sê-lo até o fim da vida. O prêmio dado à sua constância foi, antes de mais nada, o encontro com Cristo.
II. TENDE, POIS, PACIÊNCIA, meus irmãos, até que o Senhor chegue. Vede como o lavrador aguarda com esperança o precioso fruto da terra, e tem paciência até receber as chuvas do outono e da primavera4.
É necessario saber esperar e lutar com paciente perseverança, convencidos de que assim agradamos a Deus. “É preciso sofrer com paciência – diz São Francisco de Sales – as demoras na nossa perfeição, fazendo sempre o que possamos por progredir e com bom ânimo. Esperemos com paciência, e, ao invés de nos inquietarmos por termos feito tão pouco no passado, procuremos com diligência fazer mais no futuro”5.
Além disso, normalmente, não se consegue adquirir uma virtude com violentos esforços esporádicos, mas com a continuidade na luta, com a constância nas nossas tentativas diárias, ajudados pela graça. “Nas batalhas da alma, a estratégia é muitas vezes questão de tempo, de aplicar o remédio conveniente, com paciência, com teimosia. Aumentai os atos de esperança. Quero lembrar-vos que, na vida interior, sofrereis derrotas, ou passareis por altos e baixos – Deus permita que sejam imperceptíveis –, porque ninguém está livre desses percalços. Mas o Senhor, que é onipotente e misericordioso, concedeu-nos os meios idôneos para vencer. Basta que os utilizemos […] com a resolução de começar a cada instante, se for preciso”6.
A alma da constância é o amor; só por amor se pode ser paciente7 e lutar, sem aceitar os defeitos e as falhas como coisa inevitável e sem remédio. Não podemos ser como aqueles a quem, depois de muitas batalhas e pelejas, “acabou-se-lhes o esforço, faltou-lhes o ânimo” quando estavam “a dois passos da fonte de água viva”8.
Ser paciente no trabalho de arrancar as más tendências e os defeitos do caráter significa também apresentar-se muitas vezes diante do Senhor como aquele servo que não tinha com que pagar9: humildemente, pedindo novas graças. Na nossa caminhada para o Senhor, sofreremos abundantes derrotas, mas o desagravo e a contrição nos aproximarão ainda mais de Deus. Esta dor e arrependimento pelos nossos pecados e deficiências não são tristes, porque são dor e lágrimas de amor. São o pesar de não estarmos retribuindo ao Senhor todo o Amor de que Ele nos cerca, a dor de estarmos devolvendo mal por bem Àquele que nos ama tanto.
III. ALÉM DE SERMOS PACIENTES conosco próprios, temos que sê-lo com as pessoas das nossas relações, sobretudo se temos mais obrigação de ajudá-las na sua formação, numa doença etc. Devemos contar com os defeitos dos que nos rodeiam. A compreensão e a fortaleza ajudar-nos-ão a ter calma, a esperar um pouco de tempo antes de corrigi-los, a dar uma resposta afetuosa, a sorrir… Tudo isso pode permitir que as nossas palavras consigam chegar ao coração dessas pessoas, que de outra forma permaneceriam fechadas, e que as ajudemos muito mais, com maior eficácia.
A impaciência dificulta a convivência e inutiliza a possível ajuda e a correção. “Continua a fazer as mesmas exortações – recomenda-nos São João Crisóstomo –, e nunca com preguiça; atua sempre com amabilidade e graça. Não vês com que esmero os pintores ora apagam os traços que fazem, ora os retocam, quando retratam um belo rosto? Não te deixes superar pelos pintores. Pois se eles põem tanto cuidado na pintura de uma imagem corporal, com maior razão nós, que procuramos formar a imagem de uma alma, devemos pôr todo o empenho em terminá-la com perfeição”10.
Devemos ser especialmente constantes e pacientes na ação apostólica. As pessoas necessitam de tempo para chegar a Deus, e Deus tem paciência: Ele nos dá a cada momento a sua graça, perdoa-nos e anima-nos a continuar. Se teve e tem conosco essa paciência sem limites, nós devemos tê-la com os amigos que queremos levar ao Senhor, ainda que algumas vezes pareça que não nos escutam, que não se interessam pelas coisas de Deus. Não os abandonemos por isso. Nessas ocasiões, ser-nos-á necessário intensificar a oração e a mortificação, como também a nossa caridade e a nossa amizade sincera.
Nenhum dos nossos amigos, em momento algum da sua vida, deveria poder fazer sua a resposta daquele homem paralítico ao Senhor: Não tenho ninguém que me ajude. Porque “é o que poderiam afirmar – infelizmente! – muitos doentes e paralíticos do espírito, que podem servir… e devem servir. – Senhor: que eu nunca fique indiferente diante das almas”11, pedimos-lhe hoje.
Examinemos agora na nossa oração se nos preocupamos com as pessoas que nos acompanham ao longo da nossa vida: se nos preocupamos pela sua formação ou se, pelo contrário, nos acostumamos aos seus defeitos como se não tivessem remédio; e, ao mesmo tempo, vejamos se somos pacientes.
Para todos os males da humanidade, o remédio é Jesus Cristo. Todos podemos encontrar nEle a salvação e a vida. Ele é a fonte das águas que tudo vivificam. É o que nos diz o profeta Ezequiel na leitura da Missa: Estas águas, disse-me ele, correm para a parte oriental; elas descerão até à planície do Jordão e se lançarão ao mar de águas pútridas e o purificarão. Por toda a parte onde desembocar a corrente, todos os animais que se movem na água poderão viver, e haverá lá grande quantidade de peixes. Lá onde esta água chegar, o mar ficará limpo, e onde a corrente chegar, haverá vida12. Cristo converte em vida o que antes era morte, e em virtude as deficiências e os erros.
(1) Jo 5, 1-16; (2) São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São João, 36; (3) J. Tissot, El arte de aprovechar nuestras faltas, 6ª ed., Palabra, Madrid, 1976; (4) Ti 5, 7; (5) J. Tissot, op. cit., pág. 32; (6) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 219; (7) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 136, a. 3; (8) cfr. Santa Teresa, Caminho de perfeição, 19, 2; (9) cfr. Mt 18, 23 e segs.; (10) São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 30; (11) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 212; (12) Ez 47, 8-9.
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