Memória de São José Operário
A memória de São José Operário vem-se celebrando liturgicamente desde 1955. A Igreja recorda assim – seguindo o exemplo de São José e sob o seu patrocínio – o valor humano e sobrenatural do trabalho. Todo o trabalho humano é colaboração com a obra de Deus Criador, e por Jesus Cristo converte-se – na medida do amor a Deus e da caridade com os outros – em verdadeira oração e em apostolado.
I. VIVERÁS DO TRABALHO das tuas mãos…1
A Igreja, ao apresentar-nos hoje São José como modelo, não se limita a louvar uma forma de trabalho, mas a dignidade e o valor de todo o trabalho humano honrado. Na primeira Leitura da Missa2, lemos a narração do Gênesis em que o homem surge como participante da Criação. A Sagrada Escritura também nos diz que Deus colocou o homem no jardim do Éden paraque o cultivasse e guardasse3.
O trabalho foi desde o princípio um preceito para o homem, uma exigência da sua condição de criatura e expressão da sua dignidade. É a forma como colabora com a Providência divina sobre o mundo. Com o pecado original, a forma dessa colaboração, o como, sofreu uma alteração: A terra será maldita por tua causa – lemos também no Gênesis4 –;com fadiga te alimentarás dela todos os dias da tua vida… Comerás o pão com o suor do teu rosto…
O que deveria ser realizado de um modo sereno e aprazível, tornou-se depois da queda original trabalhoso, e muitas vezes esgotador. No entanto, permanece inalterada a realidade de que o trabalho em si está relacionado com o Criador e colabora com o plano de redenção dos homens. As condições que o rodeiam fizeram com que alguns o considerassem um castigo, ou que, pela malícia do coração do homem, se convertesse numa simples mercadoria ou num “instrumento de opressão”, a tal ponto que por vezes se torna impossível compreender a sua grandeza e dignidade. E há ainda os que pensam que é um meio de ganhar dinheiro, a serviço da vaidade, da auto-afirmação, do egoísmo… Em todas essas atitudes, esquece-se que o trabalho é de per si obra divina, porque é colaboração com Deus e oferenda que se lhe faz, meio por excelência de adquirir e desenvolver as virtudes humanas e sobrenaturais.
É freqüente observar que a sociedade materialista dos nossos dias aprecia os homens “pelo que ganham”, pela sua capacidade de obter um maior nível de bem-estar econômico. “É hora de que todos nós, cristãos, anunciemos bem alto que o trabalho é um dom de Deus, e que não faz nenhum sentido dividir os homens em diferentes categorias, conforme os tipos de trabalho, considerando umas ocupações mais nobres do que outras. O trabalho, todo o trabalho, é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio sobre a criação; é meio de desenvolvimento da personalidade; é vínculo de união com os outros seres; fonte de recursos para o sustento da família; meio de contribuir para o progresso da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a humanidade”5.
Tudo isto no-lo recorda a festa de hoje6, ao propor-nos São José como modelo e padroeiro: um homem que viveu do seu ofício, a quem devemos recorrer com freqüência para que não se degrade nem se distorça o trabalho que temos entre mãos, pois não raras vezes, quando se esquece Deus, “a matéria sai da oficina enobrecida, ao passo que os homens se envilecem”7. O nosso trabalho, com a ajuda de São José, deve sair das nossas mãos como uma oferenda gratíssima ao Senhor, convertido em oração.
II. O EVANGELHO DA MISSA8 mostra-nos, uma vez mais, como Jesus é conhecido em Nazaré pelo seu trabalho. Quando voltou à sua terra, os seus conterrâneos comentavam: Não é este o filho do carpinteiro? A sua mãe não é Maria?… Em outro lugar, a Escritura diz que, como acontece em tantas ocasiões, Jesus continuou o ofício daquele que na terra fez junto dEle as vezes de pai: Não é este o carpinteiro, filho de Maria?…9
Ao ser assumido pelo Filho de Deus, o trabalho ficou santificado e, desde então, pode converter-se numa tarefa redentora se o unirmos a Cristo, Redentor do mundo. A fadiga, o esforço, as dificuldades, que são conseqüências do pecado original, convertem-se com Cristo em algo de imenso valor sobrenatural. Sabemos que o homem foi associado à obra redentora de Jesus Cristo, “o qual conferiu uma dignidade eminente ao trabalho quando trabalhou em Nazaré com as suas próprias mãos”10.
Qualquer trabalho nobre pode chegar a ser uma tarefa que aperfeiçoa aquele que o realiza bem como toda a sociedade, e pode converter-se em meio de ajudar os outros através da comunhão que existe entre todos os membros do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Mas, para isso, é necessário não esquecer o fim sobrenatural que devem ter todos os atos da vida, mesmo os que se apresentam como muito duros ou difíceis: “O condenado às galés bem sabe que rema a fim de mover um barco, mas, para reconhecer que isso dá sentido à sua existência, terá que aprofundar no significado que a dor e o castigo têm para um cristão; quer dizer, terá que encarar a sua situação como uma possibilidade de identificar-se com Cristo. Pois bem, se por ignorância ou por desprezo não o consegue, chegará a odiar o seu “trabalho”. Um efeito similar pode dar-se quando o fruto ou o resultado do trabalho (não a sua retribuição econômica, mas aquilo que se “trabalhou”, “elaborou” ou “fez”) se perde numa lonjura de que quase não se tem notícia”11. Quantas pessoas, infelizmente, se dirigem todas as manhãs ao seu “trabalho” como se fossem para as galés! Vão remar um barco que não sabem para onde se dirige, e aliás sem se importarem com isso. Só esperam o fim de semana e o ordenado. Esse trabalho, evidentemente, não dignifica, não santifica; dificilmente servirá para desenvolver a personalidade.
Pensemos hoje, junto de São José, no valor que damos às nossas ocupações, no esforço que pomos em acabá-las com perfeição, na pontualidade, na competência profissional, na serenidade – não contraposta à urgência – com que as realizamos… Se o nosso trabalho for sempre humanamente bem feito, poderemos dizer com a liturgia da Missa de hoje: Ó Deus, fonte de todos os benefícios, olhai as oferendas que vos apresentamos na festa de São José, e fazei que estes dons se transformem em fonte de graça para aqueles que vos invocam12.
III. OBRA BEM FEITA é aquela que se executa com amor. Ter apreço pelo trabalho profissional, pelo ofício que se exerce, é talvez o primeiro passo para dignificá-lo e para elevá-lo ao plano sobrenatural. Devemos pôr o coração nas tarefas que temos entre mãos, e não fazê-lo “porque não há outro remédio”. “Meu filho, aquele homem que veio ver-me esta manhã – aquele de blusão cor de terra – não é um homem honesto […]. Exerce a profissão de caricaturista num jornal ilustrado. Isso lhe dá de que viver, ocupa-lhe as horas do dia. E, no entanto, sempre fala com repugnância do seu ofício e diz: «Se eu pudesse ser pintor! Mas é indispensável que desenhe essas bobagens para poder comer. Não olhe para os bonecos, homem, não os veja! Comércio puro…» Quer dizer que trabalha unicamente pelo lucro. E deixou que o seu espírito se ausentasse daquilo em que ocupa as mãos. Porque tem o seu trabalho na conta de coisa muito vil. Mas eu te digo, filho, que se o trabalho do meu amigo é tão vil, se os seus desenhos podem ser chamados bobagens, a razão está justamente em que ele não pôs neles o seu espírito. Não há tarefa que não se torne nobre e santa quando o espírito nela reside. É nobre e santa a tarefa do caricaturista, como a do carpinteiro e a do lixeiro […]. Há uma maneira de fazer caricaturas, de trabalhar a madeira […], que revela que se pôs amor nessa atividade, cuidados de perfeição e harmonia, e uma pequena chispa de fogo pessoal: isso que os artistas chamam estilo próprio, e que não há obra nem obrinha humana em que não possa florescer. Essa é a boa maneira de trabalhar. A outra, a de menosprezar o ofício, tendo-o por vil, ao invés de redimi-lo e secretamente transformá-lo, é má e imoral. O visitante de blusão cor de terra é, pois, um homem imoral, porque não ama o seu ofício”13.
São José ensina-nos a realizar bem o ofício que nos ocupa tantas horas: as tarefas domésticas, o laboratório, o arado ou o computador, o trabalho de carregar pacotes ou de cuidar da portaria de um edifício… A categoria de um trabalho reside na sua capacidade de nos aperfeiçoar humana e sobrenaturalmente, nas possibilidades que nos oferece de levar adiante a família e de colaborar nas obras em favor dos homens, na ajuda que através dele prestamos à sociedade…
São José, enquanto trabalhava, tinha Jesus diante de si. Pedia-lhe que segurasse uma madeira enquanto ele a serrava, ensinava-lhe a manejar o formão e a plaina… Quando se sentia cansado, olhava para o seu filho, que era o Filho de Deus, e aquela tarefa adquiria aos seus olhos um novo vigor, porque sabia que com o seu trabalho colaborava com os planos misteriosos, mas reais, da salvação. Peçamos-lhe hoje que nos ensine a ter essa presença de Deus que ele teve enquanto exercia o seu ofício. E não nos esqueçamos de Santa Maria, a quem vamos dedicar com muito amor este mês de Maio que hoje começa. Não nos esqueçamos de oferecer em sua honra todos estes dias, alguma hora de trabalho ou de estudo, mais intensa, mais bem acabada.
(1) Sl 127, 1-2; cfr. Antífona de entrada da Missa de 1º de maio; (2) Gen 1, 26; 2, 3; (3) Gen 2, 15; (4) Gen 3, 17-19; (5) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 47; (6) João Paulo II, Exort. Apost. Redemptoris custos, 15-VIII-1989, 22; (7) Pio XI, Enc. Quadragesimo anno, 15-V-1931; (8) Mt 13, 54-58; (9) Mc 6, 3; (10) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 67; (11) P. Berglar, Opus Dei, Rialp, Madrid, 1987, pág. 309; (12) Oração sobre as oferendas da Missa de 1º de maio; (13) E. D’Ors, Aprendizaje y heroísmo: grandeza y servidumbre de la inteligencia, EUNSA, Pamplona, 1973, págs. 19-20.
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